terça-feira, 1 de setembro de 2009

um capítulo:cheira que é pera,chupa que é de uva


caraíva, 1 de agosto de 2008

para: Leu e Sil

na beira do rio:
- cheira, leuzinha!
- chupa, silmar.

é assim que a malandragem, ou a nativada, ou, os meninos daqui, se cumprimentam. pode soar estranho ou vulgar pra vocês, mas é assim que eles dão oi e eu acho a maior graça. aqui ninguém é chamado pelo nome: lucimário é zezinho, rodrigo é manga rosa, gerônimo é cú, ângelo é cantor, sérgio é caceta, dario é bazuca, davi é da lua, tem pé de boi, pelé, berinjela, bibelô, cobrinha, petróleo, batata, siri..

julho aqui está uma delícia. forró todo dia. ouriço ou pelé. a gente nem deixa mais a luz da pousada acesa porque quando chega já é de manhã. estou amando mais do que nunca. adorando as pessoas daqui (e isso inclui nativos e moradores). adoro todos eles. me alegra muito mais eles estarem na praia ou no forró do que qualquer outra pessoa. é tudo muito diferente agora. como se fizéssemos parte de uma mesma família. e é muito louco pensar que aquela monotonia da baixa vai voltar. agora é uma delícia, uma saidinha de dia na beira do rio e tem o Juninho e os outros meninos do Triângulo Caraíva tocando de brincadeira, ou tem roda de capoeira do Silmar, ou os meninos do chorinho do C araivana tocando no café da manhã do Cará Café ou visita de amigos, e também dos novos amigos, gente que tem casa aqui e vira e mexe aparece. movimento e novidade.


teve dois dias de churrasco, porque a malandragem venceu no futebol e por isso ganharam um boi. então foram dois dias de muita carne, muita cerveja e festa. sendo no mesmo dia do samba no Pará e de lá então, todo mundo pro lagoa. trabalhei igual gente grande. bombando igual noite de verão.

diz-se que a graça da vida é não saber. nesse caso aqui é certo. pois na recepção do lagoa mora agora um morceguinho. ele sempre morou mas eu ingênua sempre achei que fosse uma bruxa e convivia feliz com ela nos seus vôos diários das 5 da tarde, que é quando começa a escurecer. até uns nativinhos me dizerem que a bruxa era um morcego. e agora eu peno, não consigo fazer nada até ele sumir. mas eu sei que vou me acostumar. e de repente, parece que é época de morcego. tem mil deles sobrevoando a lagoa à noite. e esses parecem que vieram com defeito no radar, porque dão rasante na gente. eles batem no nosso cabelo, no nosso cílio. esse é o problema, senão eu juro que também me acostumaria com eles. eu vou acostumar eu vou acostumar eu vou.

ontem fui passear em nova caraíva. foi tão legal!! estava indo pro satu sozinha, afim de caminhar, mas dei a sorte de encontrar o Sandro pescando robalo na beira do rio e daí ele foi comigo. lá ele me convidou pra almoçar em sua casa, do outro lado, em nova caraíva. ele sempre me faz os melhores convites. então, na volta do satu, fomos por dentro do rio com água até o joelho rumo a nova caraíva. foi bom demais, me senti na roça. de cara ao entrar na cidade, um bar com uma sinuca e música brega. ele disse: aqui só tem música desse tipo. mas mesmo assim eu tive que sentar no bar pra tomar uma cervejinha. very cultural. a casa dele parecia de boneca, deu vontade de ficar o dia todo almoçando na mesinha de madeira do lado de fora rodeada de galinhas, árvores e terra vermelha por todos os lados. na volta, 5:30h da tarde, ele voltou remando a canoa do Tazinho. o dia estava lindo e ainda peguei a D. Izabel indo embora arretada me xingando porque eu tinha pedido pra ela reservar um acarajé e sumi!!
maaaaaaaaaaaaas, a novidade maior é que... peguei piolho!!!!!!!!!!!! estou na roça mesmo, que delícia!! e também já passou. não durou nem dois dias. nada que dez minutos com o cabelo de molho num shampuzinho não resolvesse. eu jamais imaginaria que uma coceirinha pudesse ser piolho!!!!!!! mas o Iratan uma vez comentou comigo que foi num forró do cabrobró, e lembro dele dizer "daqueles que você pega até piolho, sabe!?" achei surreal. pra mim isso era coisa que só acontecia quando a gente é criança. gastei uma fortuna no shampuzinho e fui pro banheiro com aquele pente fino, lembram disso né!? coloquei minha saia preta aberta no colo e pra meu horror: cai uma lêndia. tipo um carrapatinho branco espichado cheio de garrinhas. menos mal que cada dia que passa sou menos fresca.

ai, e no caminho do satu, tinha 2 pinguins mortos. que dó. resgataram dois vivos e eles estão guardados numa caixa, aqui na casa do vizinho esperando a marinha vir buscar. também já começaram a espalhar cartazes com o telefone pra resgate das baleias jubarte que começam a encalhar na praia nessa época.


um capítulo: arrochando no são joão


caraíva, 26 de junho de 2008:

aqui está lindo. dias ensolarados de dia e friozinho à noite, a lagoa do Lagoa nunca esteve tão linda. água transparente. menos mal que andou chovendo e a lagoa encheu. estava 1/3 seca e os sapinhos nem cantavam mais. estava morrendo de dó deles. voltei mais sensível depois de 10 dias na cidade grande. depois dessa vivência moradora de Caraíva, voltei meio assustada com o ritmo acelerado daí. eu mesma já cheguei em BH acelerada sem perceber. estímulo-resposta, que perigo! me sinto mais privilegiada do que nunca de voltar a respirar ar puro, olhar pro céu estrelado, tomar café da manhã sem pressa, de correr na praia deserta, dos temperinhos da Jô, de acordar na hora que o organismo quer. também passei a reparar coisas que eu não prestava muita atenção, algo do tipo cores dos passarinhos, horta e pedi pro Bené me dar uma aula de maré porque jurei pra mim mesma que agora aprendo de vez como ela funciona. pretendo pra poder descer o rio nadando desde a prainha de vez em quando ou quando tiver companhia. não por medo de engastalhar no mangue ou de jacaré, mas de seres invisíveis! segunda e terça teve festa de São João aqui. a escola ficou uma semana de férias mas não teve quadrilha. a praça toda decorada de bandeirinhas, lua cheia, a igreja aberta, uma fogueira em frente dela, um palco enorme. o Lagoa fechou e o Iratan fez uma barraca de bambu linda lá pra gente, com folhas de bananeira. era a mais linda da festa, toda enfeitada com florzinhas coloridas de papel crepom e entre as delícias típicas, batida de amendoim, bolo de fubá cremoso e espetinho. eu fui toda animada achando que ia rolar festa e banda boa de forró, mas depois de tanta propaganda enganosa, subiu ao palco, uns barangos que tocavam arrocha. as letras eram pérolas como: "meu pipi no seu popô", "vontade de beijar a sua buuu-chechinha" ou "encontrei a patricinha e a piriguete vamos ver quem é a melhor do boquete", acredita? e pra finalizar o show, "créu". ninguém estava dançando, nem o povo daqui gostou. era tão fácil agradar. os daqui quase não gostam de brega, eles adoram forró. no meio disso tudo, nada melhor do que ter aquele olhar antropológico pra substituir uma cara de comeu e não gostou. no mais, ontem o Bené fez ariacó assado, de comer rezando, como dizem por aqui. e hoje o Jojó chamou na beira do rio e deu pra gente um balde cheio de peixe que, sem exagero, eu custei a carregar.
quando voltei, fiquei assustada, nunca vi Caraíva tão vazia, mas em dois dias me acostumei de novo com o paraíso. e enquanto não rola nada de novo, turistas ou idas inesquecíveis a Arraial d´Ajuda (descobri esse outro paraíso fora de temporada), me divirto aqui com meus livros e 18 DVDs que trouxe na mochila.

um capítulo: a maldição de maio

Caraíva, 9 de maio de 2008:

para: Amanda Machado


o último feriado do ano se aproxima. alguém não sabe disso? pelo menos quem trabalha de segunda a sexta, de 8 às 18h, tenho certeza que já sabe faz tempo. mas vou contar pra vocês: mesmo maio tendo dois feriados “puente”, maio em caraíva é o PURGATÓRIO!!! gente, socorro!! eu quero ir embora! calma, é maio. todo mundo te avisou. no forró, sem te conhecerem, já te perguntavam: vai agüentar ficar na baixa??? que pergunta estapafúrdia: é claro. é claro? agora você começa a mudar de idéia. você não imaginou que seria assim. você desfrutando de cada novidade e as surpresas ainda acontecendo. você ainda achou graça depois de tropeçar num buraco enorme de guaiamum (carangueijo), dentro do lagoa, na grama. mas gente, socorro! logo acabou o feriado e fui tomada por algo novo, mas um novo indesejado, terrível e sufocante, esse tédio. alguém me tira daqui? me leva nem que seja pra comprar peixe em porto seguro. ou arroz integral no arraial! outro dia fui pra trancoso comprar cimento. e fomos de carro, eu e o picapau. foi super divertido. o vendedor da loja de material de construção, depois de eu efetuar a compra assinando tranquilamente a notinha do cartão de crédito, me disse: agora temos que buscar o cimento no depósito da loja. vocês me seguem. e saiu de bicicleta, seu companheiro de motinho e eu e picapau de carro atrás deles. só bahia! que delícia! desnecessário dizer que o cara trabalhava de bermuda e chinelo e que nós nos perdemos dele no caminho e tivemos que voltar na loja pra perguntar onde era o depósito. onde? na mesma rua e há 2 quarteirões. muito longe pra um bahiano. muito carro pra um caraivano. desnorteia. foi uma delícia passear de carro por trancoso e arraial. nesse dia nem chegamos a porto. mesmo enchendo o carrinho do supermercado até mais não caber uma batata, o imprescindível nesse dia era comprar os 200kg de cimento (obras no lagoa). em arraial foi surreal comer num restaurante comida a quilo (tantas opções!!), saborear variedades do tipo ovinho de codorna, espinafre e carne vermelha. ai, e picolé de alpino. nossa!!! morreria ali! e passear de carro parando de vez em quando, quando desse na telha: ah vamos tomar uma cervejinha ali? vamos entrar nessa igrejinha aqui? vamos ver se nessa farmácia tem injeção de rubranova? e depois veio o feriado. uns dias lindos, que sorte pra quem veio, o mar de cor verde água, caraíva mais cheia que na semana santa e um calor ameno sem ser aquele insuportável adorável não posso reclamar que tem feito. ufa!! e eu trabalhei igual gente grande! até estressei. ai, estressei mesmo esse dia em especial que culminou em quase ficar bêbada de catuaba no forró. bêbada no forró não combina, tãopouco ficar bêbada combina comigo. que disparate! sinal de algo que não vai bem. aula de ioga no dia seguinte? os 5 ritos tibetanos do dejalma em jejum? ni hablar! eu quero vomitar! mas comi no café da manhã e fiquei nova. pra minha sorte, porque nesse dia estava nubladinho e o lagoa bombou de dia. e a cozinha ainda não estava aberta e sobrou pra gente ter que ir pra cozinha fazer caipirinha, café e até chocolate quente. imagina se eu previsse isso de manhã quando acordei tonta e altamente indisposta? me jogaria das falésias, é fato. e de noite eu estava no forró de novo (feriado tem todo dia), porque a andrea me arrastou e amou aquilo lá e só voltamos nós duas quando o pelé já tinha fechado as portas. e no dia seguinte... tudo de novo...


 *inspirado no livro "O Paraíso na outra esquina", de Mario Vargas Llosa.

um capítulo: beijos roubados


caraíva, 13 de abril de 2009:

ele chegou pra ficar dois dias, ficou 15. deixou um livro de garcia marquez e da sua terra enviou-lhe carta que dizia:

I miss to go to bed with the mosquitero and wake up with the passarinhos. To feel hot day and night. To be either under the sun or under the stars. To walk with out shoes. Not to know what time it is. To eat when I´m hungry and not when it´s ready. I miss looking at you "dancing" around the Lagoa and I miss that sense of freedom that only the sea and the nature can give. Gatinha I think you had such a good idea. I want the same.

Tradução:

Tenho saudade de dormir com cortinado e de acordar com os passarinhos. De sentir dia e noite quentes. De estar ao mesmo tempo sob o sol e sob as estrelas. De andar descalço. De não saber que horas são. De comer quando estiver com fome, e não porque está na mesa. Sinto saudades de te ver "dançando" pelo Lagoa e desse sentimento de liberdade que somente o mar e a natureza podem dar. Gatinha, eu acho que você teve uma boa ideia. Eu quero o mesmo.

um capítulo: xiiiii, tem um saruê no telhado





Caraíva, 3 de abril de 2008

a baixa temporada agora entrou com força. os gatos pingados que apareciam quase não aparecem ou quando não aparecem, nem alma! mesmo assim, estou longe de sentir qualquer tipo de tédio. porque vou contar pra vocês!  tinha razão quem disse que o mar em abril é mais azul!

forrozinho vindo da esquerda e sinfonia de sapos à direita. e estou trancada aqui, todas as janelas fechadas porque o Bené outro dia descobriu que tinha um saruê morando no telhado aqui do mezanino. uma das galinhas do Bené, meu vizinho querido, deu pintinho, e o saruê apareceu faminto de madrugada no faro de novidade. Bené acordou com o barulho, saiu correndo e espantou o bicho. saldo: um pinto e todas as penas da derrière da galinha que ele arrancou. eu que não quero dar de cara com esse monstrinho!

agora mesmo tomando chazinho que a Hermínia fez pra mim enquanto os pernilongos me jantam! hoje de dia (de manhã? de tarde? é tudo a mesma coisa quando não se tem hora) fomos no (censurado) deck 5 estrelas de um amigo dela, dar um mergulho no rio desde lá. e o dia estava lindo e a energia tão boa que parecia sábado. e não é que era sábado mesmo? dãn!

estou aproveitando a baixa temporada do bar pra ficar na cozinha prestando atenção na Jô fazendo todas as comidinhas. estou aprendendo vários truques e delícias. aprendi a gostar de acarajé. eu que não gostava... méritos de D. Izabel. a placa que diz “o melhor acarajé da Bahia” não mente. descobri também que açaí todo dia dá afta!! não estou sentindo falta de nada, não estou com desejo de nada, mas sempre lembro de vocês e que eu ficaria aqui pra sempre se vocês morassem aqui.

hoje um recente hóspede escreveu de SP dizendo que achava que lá não tinha lua porque até o momento ele ainda não a tinha visto! muito bonitinho porque aqui eu olho pro céu super estrelado todo dia e fico esperando o dia da lua encher. e outro dia, na beira do rio alguém me mandou desviar de uma árvore porque tinha uma colmeia em alvoroço.

me adaptei, parei de ter aqueles flashes de ver o Lagoa lotado, como no verão. fui pra Corumbau sábado e estava cheio de golfinhos na ponta. mas o melhor foi a carona que eu ganhei outro dia... sabe quem me trouxe em casa de canoa? o Tazinho. lá da barra, muito vip! carona pelo rio até a porta de casa só morando aqui mesmo!

acho que vou dar uma chegadinha ali no forró. animei! porque amanhã é domingo, não tem hora pra acordar.