quarta-feira, 16 de setembro de 2009

um capítulo: la caraiva blu


Caraíva, 7 de junho de 2009:


pro Jairo, que me pediu um capítulo de aniversário.



é terça-feira, mas acordo como se fosse domingo. cercada de coqueiros, cajueiros e flores que não sei o nome, desço os degraus feitos na duna de areia do La Caraiva Blu*. era de fato, terça-feira. a Socó já me esperava na beira do rio para comprarmos o que faltava dos ingredientes do nosso almoço de domingo. terça é nosso dia de folga e sempre mobilizamos a galera e bolamos algum programa diferente pra fazer. neste dia ele teria lugar no Varandão do Kuki. La Caraiva Blu é o nome da "propriedade" pra onde me mudei há dois meses. lá, somos vizinhas. são 4 casinhas de boneca, num terrenão com bancos de tronco no jardim. o vasinho de nossa mesa de jantar na varanda está sempre enfeitado com helicônias. e à noite, precisamos do auxílio de uma lanterna pra subir a duna. é lindo e faz muito silêncio porque a única coisa ao redor é a vendinha do Gilmar, que já não abre há tempos. a rua da janela do meu quarto, é onde os meninos cortam caminho pra escola, e todo mundo que passa por ali, eu reconheço a voz. como diz a Hermínia, aqui a gente sabe o nome até dos cachorros. por não ter forro no telhado, como todas as casas rústicas da vila, e por lá ser tão pacífico, aparece infinidade de insetos dentro de casa que nem sei o nome. e mesmo com mosquiteiro, prefiro dormir com uma luz acesa. continuo medrosa de bichos, apesar de! e na minha casa inteira são duas lâmpadas. a cozinha fica do lado de fora e existe pra saber que tenho uma cozinha. não uso já que tomo café, almoço e janto no Lagoa, minha outra casa. mas este daqui é pra contar a mais recente novidade: sou a nova professora do 2ºgrau!!! há 5 anos, Caraíva não tinha 2ºgrau e os meninos estavam todos sem estudar. um absurdo. ano passado batalhamos e conseguimos. porém saiu à distância. a duras penas, conseguimos um monitor, que é a Marina, quem me convidou pra dar as aulas de inglês. a escola fica em Nova Caraíva, porque a maioria dos alunos é de lá. o nome da escola é "Alegria do Saber". é precária como qualquer escola pública: quadro de giz, pintura descascando, quadras improvisadas e banheiro sem papel. só dou aulas às quartas. e pra chegar lá é todo um processo: atravessar de canoa e caminhar 1 km pela estrada de terra. sempre atravesso com os meninos daqui, eles mesmos remam. às 19h está todo mundo de livrinho debaixo do braço. é engraçado porque dou aula pros meus amigos e tem muita gente aqui que não estudava há 5, 10 anos. está chovendo muito estes dias e assim temos que ir de pé na canoa e de sombrinha. a Cineka, minha aluna linda, tem carro, mas quando ela falta, subimos e voltamos a pé. roots né!? adoro!!! faz parte. os meninos morrem de preguiça e falam que eu não me canso porque só vou uma vez na semana. eu sei bem porque não me canso. nunca cansamos do que a gente ama. o friozinho começou, mas eu ainda não abri minha mala de roupas de frio. outro dia passando na rua de blusa de alcinha e shorts, o Hilton de gorro e "capote" (casaco aqui) gritou: "rapaz, está querendo virar bahiana, é!?" ontem, sábado, os 31 alunos tiveram prova o dia inteiro e fui com a Marina de manhã para aplicar. subimos de carro mas resolvi voltar antes dela terminar. desci andando,estava sol, e vi o Maycon na padaria Felicidade. entrei pra tomar cafezinho com ele e feliz fiquei porque lá vendia marta-rocha!! que delíciaaaaa! quando fui pegar o porta-guardanapos, fui picada por uma abelha. doeu tanto que tive vontade de chorar. fiquei toda paralisada, parece que você fica com câimbra no corpo inteiro e o dedo dava três. não lembrava que picada de abelha doía assim. depois Macico chegou, vindo da prova e fomos embora os três juntos. cortamos caminho pela Barra e atolei até quase metade da perna na lama. os meninos ficaram "fazendo resinha" (rindo de mim na linguagem bahiana). e em seguida, o Tazinho atravessou a gente de canoa. a Barra estava maravilhosa!!! e vimos a Sophie aprendendo a zingar sozinha uma canoa. coisa mais linda! depois tinha feijoada beneficente no Pelé para arrecadar dinheiro pra festa junina. já olharam pro céu hoje? olhem!! é lua cheia. beijos da casa nova.
*o Guilherme é alguém muito especial ou o sortudo dono do La Caraiva Blu onde morei 3 meses antes de vir pro Rio. foi ele quem deu este nome, azul em italiano, pra dizer: tudo azul!! pra mim é muito mais, verde e azul!


um capítulo: o forró do puxa-a-faca


caraíva, 20 de maio de 2009:

pro Léo

sexta-feira é dia de forró do outro lado. o outro lado é atravessando o rio, é nova caraíva. a diferença é que caraíva é cool, e nova caraíva, brega. mas todas são boas se você vai com olhar curioso. o forró do puxa-a-faca acontece às sextas, porque sábado tem forró no pelé, em caraíva. públicos diferentes, repertório beeeem diferente. no pelé toca forró pé-de-serra, enquanto que na nova, também tem arrocha e brega. forró puxa-a-faca porque nem sempre é civilizado e às vezes pode ser perigoso, brigas com facão são frequentes. mas fui acompanhada dos meninos. pela primeira vez, depois de um ano e meio morando aqui, a vontade surgiu. leôncio, silmar, macico e alexandre me esperaram no lagoa até fechar enquanto tomavam natu nobilis. e tinha um casal que não ia embora de jeito nenhum e nós aqui esperando, esperando... já era tarde (lembrando que tarde aqui ainda é cedo aí) e saímos felizes da vida, eu rumo a mais um novo programa ou lugar pra conhecer. escolhemos uma canoa na beira do rio e o leôncio achou um remo em outra. silmar foi remando, com a promessa que o léo voltaria. eles já tinham bebido uma garrafa de natu nobilis, mas aqui não tem lei seca. de longe escutávamos a música que vinha do outro lado do rio, de lá onde a gente queria chegar logo. só de estar naquela canoa com céu hiper estrelado já era uma bénção, ainda mais com esses meninos que eu sou a-p-a-i-x-o-n-a-d-a!! subimos a ladeira da nova morrendo de dar risada dos causos deles. passamos por um bar onde alguns homens de bigodinho ralo jogavam sinuca enquanto suas mulheres, uma com bebê no colo, bebiam cervejinha. conhecia quase todo mundo. chegamos no forró do vassoura (o nome do dono) de remo na mão, que era nossa garantia de volta. era bem simples mesmo, tinha um palquinho minúsculo, bancos de cimento, o banheiro era enorme e não tinha tranca na porta, tudo bem tosco, mas não por isso, aconchegante. vendia-se cerveja, cachaça pitu e uns salgadinhos tipo pipoca guri. música rolando, todo mundo dançando um forrozinho do jeito que a gente gosta. era perfeito. até de repente começar o arrocha - momento suuuper esperado por mim. e o leôncio me fala: presta atenção carol, nas meninas dançando pra você aprender. e vamos lá, me segue! uiuiuiuiuiuiui. o léo é filho do pelé, tem super bom gosto, sabe tudo de luiz gonzaga, forrozeiro de primeira, mas... está na chuva, é pra se molhar... e ele é minha dupla predileta, dançar com ele não tem preço, se é que vocês me entendem... depois começou sessão brega. sabe aquela música que foi um hit pop típico de 98fm há uns dois anos atrás, you´re beautiful, do james blunt, que o cara não pára de cantar: you´re beautiful, you´re beautiful, you´re beeeeeautifuuuuuuuul. gente, eu dancei essa música, versão remix, brega. dancei essa música inteira e achei a melhor coisa do mundo. não sentei um segundo e tudo o que eu gastei nessa noite foram 6 reais, ou, duas novaschin. hora de ir embora. silmar chamou. e todo mundo foi, imediatamente. saímos em bolo. ninguém lembrou do remo. eu, leôncio e outra menina já estávamos mais na frente, com a roupa empapada de suor dizendo que chegando na travessia era pular no rio com certeza. como já estávamos quase no atalho que vai pra barra, o léo sugeriu: vamos pela barra? oxe, se meu lema aqui não fosse me chama que eu vou eu até hesitaria. resposta unânime: claaaaaro!! afinal a gente já queria dar um mergulhinho mesmo. o céu estava muito estrelado, estava bonito pra caramba!! de longe o tazinho viu a gente e começou a assoviar achando que queríamos atravessar. que nada, a gente vai nadando mesmo. guardamos tudo que tínhamos na mão na mochila do léo, ninguém carrega bolsa aqui e tudo que tínhamos significa uma lanterna e uma carteirinha de crochet feita pelas mulheres de caraíva. mas vimos que nem ia precisar, a maré estava baixa, que delícia, e atravessamos com água na cintura. absolutamente fantástico!! depois fomos pro vila do mar e ficamos na piscina até quase amanhecer. e quando voltei pra casa, o mar parecia um tapete. não sei se consigo explicar, mas morar aqui é como viver intensamente. você curte muito tudo. talvez porque seja outra realidade, e também por você saber que é passageiro. é quase uma ode ao hedonismo. é difícil ir embora, não consigo mais imaginar verão melhor que este daqui.