terça-feira, 13 de setembro de 2016

Made in Cartagena




Sou daquelas que dizia que não queria ter filhos. A vontade que surgiu um dia foi pro beleléu após adotar meus bichanos! No meu jovem casamento entrei com dois gatos e o marido, com um filho. Rá!
 
Minha irmã deu à luz uma menina sorridente e de gênio bom. Deu vontade de copiar, mas pensando bem, não. Então minha melhor amiga resolveu engravidar e de novo cogitei imitar. Mas não, melhor não. Só que ela ficou quase dois anos tentando, um chororô todo mês diante da menstruação que vinha. Uma angústia só! O casal não tinha nenhum problema de infertilidade, a não ser o mais grave, a profissão dela. Se em casa de ferreiro, espeto é de pau, ninguém melhor do que uma psicóloga pra conhecer a força do psicológico e não conseguir ignorar a existência dele.

E foi aí que eu decidi parar de tomar pílula, nessa inquietude de ter ou não ter filhos e no alto dos meus 37 anos, pensei: se eu resolver, o corpo já estará de volta ao ritmo natural e assim, meio caminho andado. 

E foi um festival de coito interrompido e tabelinha! Até que o da minha amiga vai nascer em março e o meu, em maio, e agora a gente não fala de outro assunto! Bem que eu disse que Cartagena das Índias era afrodisíaca!

Diante do misto de emoção e susto pelos 1000 BETA HCG, gravidez indesejada? – pecado falar assim! - rodo o livro desesperadamente, como se fosse IChing, em busca de uma resposta. Quero saber se vai ser bom ter um bebê, e dou no trecho sublinhado abaixo, porque digitei o poema inteiro do "Jóquei", de Matilde Campilho:

"Ascendente Escorpião

Na noite em que Billy Ray nasceu
(rua 28, cruzamento com a 7, Nova Iorque)
não havia ninguém dedicado à contemplação dos gerânios
Havia, isso sim, o som do mundo que caía
como estalactites múltiplas
sobre as cercanias do hospital
Automóveis, alguns a 90 km/h, outros a 30 km/h
Bombeiros correndo para salvar o cachorro
preso na escotilha do bote atracado no Hudson
O imigrante rendendo o caixa da loja de conveniência
para roubar alguns solares e chicletes
Aquele casal na esquina à direita, os dois chorando,
terminando com razão o arrastado namoro de cinco anos
Rosa Burns entrando em casa sem pressa nenhuma,
lançando investidas à fechadura com a chave muito mais velha
que seu rosto – tremendo, tremendo, quase desistindo
desse negócio de viver e atirar no alvo
Havia o caminhão varrendo todos os pedaços de lixo da rua
Havia o ruído das fichas de pôquer sendo lançadas
sobre a mesa verde-gasto, entre dedos e fumaça
Alguém gritando, na explosão da minúscula morte
Alguém cantando a canção sul-americana
Alguém afagando o pescoço do pombo sem dono
Alguém jogando a bola de tênis contra a parede do quarto,
repetidamente, repetidamente, repetidamente
Havia o rádio no on tocando algum barulhinho em onda média
Havia uma bruxa cozinhando azevinho & cobre na panela
do apartamento de paredes queimadas
Na noite do nascimento de Billy Ray
ao mesmo tempo que ele escutava o som gelatinoso
da placenta de onde era arrancado
e depois o som da passagem pelo canal uterino de sua mãe
e depois o som de seu próprio grito
o grito que inaugura a festa
O mundo se reunia inteiro
entre a rua 28 e a rua 7
em Nova Iorque
para rezar a oração dos pequenos gestos
o aleluia da existência ocidental:
centenas de homens vergados
fazendo vênia à metafísica suficiente
que existe nos corredores do mundo
e se extrapola até o infinito lunar."

Caramba! Fecho o livro pasma e concluo então que o mundo continuará girando e que eu não preciso fazer todo esse escarcéu. Até porque tenho nove meses pra me acostumar e este relato acabou ficando muito pessoal. 


(Este texto eu escrevi em out/15 fruto do curso de escrita criativa, "Terapia da Palavra". E agora, de curiosidade, fui olhar qual era o ascendente do meu filho e... adivinha só! Escorpião! Inacreditável.