segunda-feira, 10 de março de 2014

O ovo.


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Esta é a história de um casal que não era pra ser. E não foi.

Aos 30 e poucos ela já tinha pós-doutorado com tese em francês e três livros publicados. Professora universitária, muito engraçada, pirava bebendo cerveja com Steinhäger. Moça adorável!

Já ele, bem... ele ainda não havia descoberto do quê gostava. Perdido no seio de uma família abastada, era herdeiro.

Como foram se juntar, não sei, num samba, talvez? se conheceram dançando, num ziriguidum destes, um dia de gente alegre e colorida. E por anos ficaram indo e vindo, que nem ioiô, meu iaiá, meu ioiô!

Nunca moraram juntos, mas ela já conhecia de cor seus chiliques, compreendia que a maioria era fruto da frustração profissional que ele carregava. Enquanto ele tentava encontrar defeitos na perfeição dela e a magoava muitas vezes, sem (conscientemente) querer.

Ela, muito leve, convivia, sem se envolver, com as manias dele. A de limpeza, por exemplo.

Era manhã de domingo, a faxineira havia ido um dia antes, mas ele estava na sala aspirando o tapete. Lá fora, 40°. Não, não tinham gatos em casa, nem crianças passaram por lá na véspera. Não, tão pouco receberam amigos na noite anterior. 
 
Na cozinha, ela pensando “pra quê, isso? O.k. a vida é dele.”, cantava meio destoada demais, concentrada no ovo que fazia para o namorado. As gotinhas de suor pingavam no liso do chão. Distante, deu com o fogo alto demais, ou baixo demais, ou aquela frigideira não era a nova, achou  que o ovo ia grudar, a clara não ia cozinhar como devia, a gema podia furar. Começou a sentir que o ovo ia ficar com defeito, não do jeito como ele queria, como ele exigia. À medida que o ovo enfeiava, ela sentia um aperto no peito, uma asfixia, um tormento! Como ele exigia dela! 

E desligou o fogo rispidamente. Ele já enrolava o fio do aspirador de pó e apreciava seu serviço bem feito. Respirando e de olhos fechados, passou a mão no avental, enxugando o suor das mãos. Pendurou-o, atravessou a sala de cabeça erguida, pegou sua bolsa e saiu, sorrindo e sem dar tchau, pela porta da frente.

Lá fora fazia 40°.