quarta-feira, 9 de junho de 2010

AA-UU we´ve got a city to love





por Carol Machado (yo) e Mario Teixeira


quando Mario Henrique voltou para sua pequena cidade natal, o sobrinho de 3 anos estava muito preocupado. pensava que o tio estava até então dentro de um rio.
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Mario era produto importado, ou nenhuma pátria o pariu, isso nunca entendi. safadeza do destino colocá-lo um nome assim. há anos não via o mar, melhor digo, um mar em clima cálido, bem distinto daquele mar bravo azul-marinho de pedregulhos de sua terra de gente fria. assim começa:

veio cair na cidade maravilhosa. queria pôr um pouco de cor em suas telas, em suas retinas. queria ver aquela menina. disse: cansado de apenas desenhar o mar; barco, barco, barco. tinha vontade do novo, lá iria parir-se outra vez, se pôr pra sempre pra fora como um ovo. não confiava em ninguém com 32 dentes. queria ficar moreno, buscava festa, diversão, balé. 

na vinda, fez amizade com um rapaz pouco que o colocava para ouvir piadas no celular (a vida é mesmo safada). Mario Henrique, cuja paciência era um valor que realmente não aprendera, pensou em oferecer-lhe conhaque para que rápido, junto com sua tristeza disfarçada, dormisse talvez sem sonhar. acabou pagando a ele também um pastel e uma garrafa de Sukita.

explico. o pouco rapaz tinha ido pro interior atrás do que não tinha – ‘ninguém sabe o que procura’. uma moça uma vez pedira-lhe para construir sua casa, castelo de barro, ou na sua concepção, uma casa que um dia chamaria de lar; Mario tentou alertá-lo: 'Rapaz Pouco, o seu lar é onde estão seus sapatos.' foi um bate-e-volta com um tênis surrado herdado do patrão. não passara nem uma noite sequer com a sonhada noiva do Alto Vera Cruz; Mario não quis entender, estava na vida meio enfastiado de tentar entender as coisas. Rapaz Pouco nesse momento lembrou-se que há mais de 24 hs não tirara aquele tênis apertado e desceu as Havaianas do bagageiro... momento tenebroso, a catinga, tudo se misturou com o espaço. até Pouco percebeu e aí a última piada: 'meu pai é cego, mas quando eu chegar em casa, irá me reconhecer do portão, pelo cheiro: meu fiiiilho!" Mario pensa: filho da puta!

o pulso ainda pulsa.
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Mario Henrique não entende muito português, mas vê Maria Rita, sua anfitriã eufórica e extremamente afetuosa chamando o gato Disneylandia. ela diz 'meu gugu, meu tiquinho, vem cá meu chuchu, gostoso.' não entende o que aquilo significa, mas deseja ser um Disneylandia pela boquinha que ela faz. começa a roçar em Rita, imitando o Gato, suplica: miaau...

será que é isso o que eu necessito? Rita responde: eu sou a verdadeira Mary Poppins.

Mario conta-lhe um conto erótico que envolve Afrodite, gatos e leite em lugares caudalosos. ela diz: eu sou a verdadeira Mary Poppins. ele usa aranhas numa samba-canção. ela faz 'xix' porque é moça polida.

todavia: 'vem cá, fofo.' – fala franzindo os dentes enquanto agarra Disneylandia no colo, 'meu pequeno!' 'vem cá, Ritinha, faz de conta que eu sou o Gato.'
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riem até meia-noite. chegam a ter câimbra nas bochechas e dores musculares nos maxilares, as gengivas doem também. começam a imitar os miados dos gatos que estão no cio. a vida até parece uma festa. o pior é que gatos machos nunca saem do cio – conclui o sábio Mario Henrique. diversão, solução pra mim.

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seu último dia na cidade acordou frio, umbroso. foi fumar seu cigarro apreciando o mar e voltou com um olho roxo pra casa. as amigas acharam que tinha sido briga de bar. imaginaram Mario negando-se a pagar a conta dependurada no pé-sujo do Periquito por amnésia alcoólica. ou apenas por querer tomar mais uma porrada mesmo; mas Mario jurava com os dois pés juntos que jamais deixara de pagar de alguma maneira toda e qualquer cachaça que já bebera na vida. não se esquecera de Manoel Carlos, o velho bêbado que levava na carteira uma foto de jornal do seu igual recortada 3x4. ele dizia: 'escrevi as Páginas da Vida' (era tudo uma confusão).

não é que eu vou fazer igual, eu vou fazer pior – era sua bandeira.

chegou em casa meio de lado, as gatas e até o objetos observaram... e o olho roxo! Mario respondia: 'me deixem morrer em paz!' mas tudo perguntava, do filtro ao infinito, de Kerouac ao mosquito: que foi isso, Mario? que foi isso? que foi? Marioooo? caralho!?

mundo é tudo igual! - ele pensa.

- fui fumar, ventava muito, uma pomba voava, a pomba não saía do lugar. vencida voou de marcha à ré na direção de meu globo ocular.

era a mais pura verdade, mas tão inacreditável que ensaiou dizer que estava caminhando na ciclovia. relataria detalhes para a história parecer real, diria que a maré estava alta e podia sentir o cheiro de sal dali. passa um ciclista apressado, um tanto desgovernado, sua roda passa por cima de uma castanha (tudo passa, até uva passa) destas caídas e o fruto voa violentamente batendo no seu globo ocular. podia ser... - mundo é tudo igual.

foi-se embora. adeus, Mario. adeus! dessa vez sem ninguém ao seu lado. uuuuuufa. volta cantando: ‘é cedo ou tarde demais?’

a vida é um doce (como suspeitavam João e Maria).  vida é mel (como suspeitam vocês e eu).

Copacabana, meu amor.




para Clarisse.