sábado, 13 de março de 2021

Que parto te pariu?

 


Eu queria ter outro filho só para poder parir outra vez, dessa vez de parto normal. Porque meu filho veio à luz por uma cesariana e isso me frustrou tanto! A cicatriz do corte carimbando meu baixo ventre vai clareando cada dia. Ela mede 12 cm.

Eu acreditava piamente que teria parto normal. Diziam que eu tinha corpo de parideira, quadril largo (tudo mito!), fiz ioga para gestante por seis meses, atravessava a sala de cócoras, e o menino já estava encaixado uns dois meses antes de nascer, a médica até mandou eu aquietar na época.

Era minha filosofia de vida e certeza inabalável parir de parto normal, seria pedir muito? Pois é, não deu, mesmo o menino tendo nascido 27h após a primeira contração, 15h após a bolsa estourar, e sei lá quantas horas depois de me dobrar centenas de vezes de tanta dor. Estiveram no meu quarto durante todo o processo, meu marido, minha mãe, tia Ju, minha prima Ana Rita e meus sogros. Todos bem-vindos. A médica disse que eu podia expulsar todo mundo, mas eu os queria lá comigo. Minha tia vomitou quando chegou em casa, toda a aflição que ela segurou presenciando minhas dores. E a cada hora vinha a obstetra fazer exame de toque, que doía, medir batimento cardíaco do bebê para garantir que eu ainda podia esperar mais um bocadinho... e cada vez que ela vinha eu confirmava: quero parto normal, vou esperar. E nada de dilatação. Dei entrada na maternidade com a bolsa estourada e um mísero centímetro de dilatação, e até a hora do parto, umas 15h depois, somava apenas mais 2 cm de dilatação. Eu precisava de pelo menos 8! Nesse ritmo, por quantos dias eu teria que esperar? Seria possível?

Minha mãe passou por três cesáreas. Minha irmã que tinha tido filho antes de mim, também via cesárea, havia dito para eu não me iludir, que essas coisas eram genéticas. Mas eu acreditava, ou melhor, eu tinha certeza, imagina!

Quando eu não tinha outra escolha senão a cesárea, eu disse sim com lágrimas nos olhos. E quando me sentaram na cadeira de rodas, é protocolo, rumo à sala de cirurgia, meu único alívio era saber que as contrações iam acabar com a anestesia, mas no caminho ainda tive duas e quando cheguei, a enfermeira perguntou meu nome e teve que esperar a resposta até passar a terceira contração, porque nessas horas não dava para falar. Ai, viveria tudo outra vez! Acho que eu gargalharia em cada contração, como uma bruxa em júbilo! Será?

Mas eu estava com tanto medo, medo da cesárea, do corte, da cirurgia, do meu filho nascer na contramão da ordem natural das coisas, por cirurgia, abruptamente içado do quentinho ao invés de vir sozinho e gritando yupiiii escorregando pelo canal vaginal. E minutos antes de ele vir ao mundo, apertando a mão do meu marido comentei que eu estava com medo, e se não fosse ele dizer: “calma, você está prestes a ver o rostinho do nosso filho”, eu teria perdido a mágica do momento, a voz da natureza: bem-vinda ao mundo encantado da maternidade.

Não importa o parto.

Minha obsessão por parto normal quase me vence por um triz. E eu ouvi aquele chorinho escandaloso de susto, a carinha de horror, mas ele foi direto para o meu colo, e eram tantas lágrimas e tanto sangue, a pediatra o colocou no meu peito, e mal nasceu, já estava mamando colostro da mamãe. O pai cortou o cordão umbilical e enquanto limpavam o recém-nascido às 15h e algo da capital fluminense, em 30/05/16, eu disparava a falar. Uma equipe de mulheres trabalhando, a comadre costurando minha barriga, mandando eu ficar caladinha porque falar dava gases, e ter gases estando costurada não era confortável. Mas eu entrava nas conversas das moças, tagarelando numa descarga de emoção.

Não importa o parto, importa o neném nascer bem.

Depois me largaram num cômodo da maternidade para descansar debaixo de um cobertor, mas não preguei o olho, agora eu era outra. Enquanto isso o bebê chegava limpo e vestido ao berçário e era exibido pela vitrine a quem quisesse conhecê-lo. Quando por fim apareceu alguém para arrastar minha maca até meus aposentos e, chegando lá, meu quarto parecia o Maracanã, eu disparei a chorar, não sei se de cansaço, estava acordada há umas 30h, ou de frio, efeito da anestesia, ou porque era inverno ou porque o ar condicionado da Perinatal era bem potente.

E quando as visitas foram imediatamente embora após minha cálida receptividade, e o bebê chegou enrolado no cueiro, o pai tirou seus bracinhos lá de dentro para ver as mãozinhas. Eu só fui lembrar de reparar os pezinhos mais perfeitos no dia seguinte. Já era noite e o noticiário da TV mostrava o pai de um estudante assassinado, vítima de assalto no estacionamento do Fundão. E há 48h acordada eu não dormi, passei a noite com os olhos arregalados como pratos por conta da notícia. Nascia ali o instinto materno da proteção. 

 

(Créditos da imagem:  do livro Meu Pequenino - Germano Zullo e Albertine)


segunda-feira, 29 de junho de 2020

Carolina e os aeroportos





Me desculpem, mas eu peguei um avião. Estava com muita saudade. Tenho uma relação afetiva com aeroportos: desde a infância, por anos, voando Bagdá-Rio. Estaria contagiada pela felicidade da minha mãe? Eu gostava do cheiro de cigarro no ar condicionado, do barulho do salto alto das mulheres elegantes tocando o assoalho brilhante, tão brilhante quanto os olhos maquiados das arabicas. Uma delas apertou com tanta vontade as bochechas da minha melhor amiga loira de olhos azuis, que a marca das unhas em sua pele rosada foi junto a bordo. Trabalho para viajar, senão nem me daria ao trabalho, viveria de bicos. Me senti mal viajando na pandemia, mas o prazer de ver as nuvens me trouxe novamente à vida. Estava precisando.

segunda-feira, 27 de abril de 2020

Naqueles dias

Na foto, e foto da, escritora e poetisa indiana Rupi Kaur

Sobre ser mulher. Sobre ser mulher trabalhando em ambiente machista. Sobre ser a única mulher no trabalho.
Essa semana chegou atrasada no trabalho por um "acidente" doméstico. Acorda às 07:30h, mas se despertou às 06:15h sentindo uma enxurrada e preocupada em sujar os lençóis. Levantou-se, estava naqueles dias, eufemismo, menstruada, sua lua. Pois é, vazou. Se atrasou lavando os lençóis e o protetor de colchão. Ah, por que não lavou os lençóis quando se levantou? Porque o filho pula para sua cama todas as noites e ele só acordou às 08:30h. Ela é gentil, esperou ele acordar antes de arrancar a roupa de cama. Seu chefe já havia chegado. Pensou em explicar o motivo de seu atraso, não, jamais, ele é muito formal, o outro colega de trabalho também ficaria roxo, causaria constrangimento ela dizer: me atrasei porque tive de lavar os lençóis. Ia dizer apenas, me atrasei por um acidente doméstico, mas no fim das contas, disse apenas: desculpem o atraso.

Lolita



Porque eu adoro a primeira frase dos livros, mais ainda dos clássicos. #lolita #nabokov

domingo, 9 de dezembro de 2018

Bolo de Jiló




Fomos a última família a sair do Iraque, digo, da Express Way, o acampamento da Mendes Jr onde morávamos em porta-campings, espécie de trailer sem rodas, suspenso a um palmo do chão, palmo esse habitado por escorpiões de todas as cores. O preto, o mais temido, o mais venenoso. A Rina, minha melhor amiga, loira de olhos azuis, que a mãe criava pra ser miss, pisou uma vez num amarelo, já morto, mas chorou muito de aflição. A família da Rina foi a penúltima família do acampamento a voltar pro Brasil, então eram apenas nossas famílias e um bando de cachorros vira-lata abandonados a deus dará. Tínhamos casas inteiras, cozinhas de verdade aparelhadas pra gente brincar, meus dois cachorrinhos moravam numa casa só deles e igual a minha. Além dos grandes cães vagabundos, perambulava por aquela cidade fantasma, onde agora só nós habitávamos, uma mula solitária, que uma vez, eu vi, comeu as meias de molho em água e sabão numa bacia esquecida n´alguma casa vazia de gente, mas ainda completamente mobiliada. Ela também deu um rolé pela casa, deixando de lembrança bolotas de bosta pelo corredor. Tadinha, hoje sei que deveria estar faminta e desesperada, perdida. A gata amarela, chamada Gabriela, mas que a gente renomeou de Chaninho, também foi deixada pra trás naquele deserto. De vez em quando ela dormia no berço de nossas bonecas, em cima das bonecas, e a gente querendo brincar não tinha coragem de tirar a gata, porque ela era brava. Um dia a Rina, minha amiga curitibana, teve a ideia de fazermos um bolo pros cachorros. Um bolo de jiló! Tia Geni, a mãe dela, nos deu o jiló, que misturamos com farinha num tabuleiro enorme, mais um monte de planta que catamos pelo caminho. E pelo caminho vimos um rarufe (carneiro em árabe, até hoje só falo rarufe) morto. Curiosas tentamos chegar perto e fomos enxotadas por algum adulto, minha mãe talvez? Descobrimos depois que o rarufe havia morrido eletrecutado e por pouco não levamos um choque também. Foi terra também na massa porque me lembro do cheiro fresco da terra úmida. Vejo nitidamente nós duas, maltrapilhas e encardidas de infância, vivendo um momento lindo, com a mão na massa nos fundos de uma casa só nossa. O bolo foi pro forno e saiu bonito e verde claro. Nós o cortamos, sobre uma mesa cinza de cimento, em pedaços grosseiros e generosos e jogamos pros cachorros que, pasmem, os devoraram em segundos sem deixar farelos. Dias depois, quando só tinha mesmo minha família naquele pedaço de paisagem marrom do Iraque, deram “bola” pros cães, almôndegas de carne envenenada. Eu e minhas duas irmãs acompanhamos, como num filme, o sofrimento deles. Eram muitos, uns 15? Ficamos ajoelhadas no encosto do sofá, bracinhos cruzados apoiados no parapeito da janela, assistindo pelo vidro cristalino as pernas dos bichos ficarem duras e eles não conseguirem mais andar, até caírem mortos. Um deles morreu no degrau da porta de casa, não dava nem pra abrir a porta. Logo voltaríamos pro Brasil e o acampamento seria desmanchado. Exterminar os cachorros seria a opção mais fácil? Sei que meus pais não fizeram nada para impedir, provavelmente nem tenham sido informados daquilo. Àquela época não me importava com o bem estar dos animais, era indiferente, se fosse hoje! Só sei que hoje esse episódio da cidade dos cachorros me vem à mente com cheiro de morte, de deserto, de vazio, de guerra, de fim do mundo. A única lembrança assustadora e feia da minha infância. Nossos dois cachorrinhos, que herdamos filhotes de alguém que já tinha partido e convivemos por muito pouco tempo, deixamos num abrigo, mas isso é outra história triste, pra nós, de deixá-los, porque pra eles sonho que tiveram uma vida feliz.




*Na foto, dando mamadeira a um rarufinho no quintal onde o bolo foi feito.


sexta-feira, 12 de outubro de 2018

Oh!



Enquanto teclava se distraía com o brilho da aliança de recém-casada. Já a perdera e a encontrara umas três vezes: no fundo da piscina, no ralo do tanque, debaixo de um vaso de planta da varanda. Nunca gostou de dourado, mas adorava namorar a aliança no seu dedo comprada pelo marido no exato dia do casamento, no Saara, culminando numa Ave Maria às 6h da tarde na saída da loja, amém! Quem te viu, quem te vê, mas uma fofíssima prova de amor, oh!

Esta noite ia preparar o prato predileto dele: filet à parmegiana. Nessa época ainda não sabia que ele não era de comer carne à noite. No mercado, por mais uma vez perdeu a aliança enquanto afundava suas mãos nos tomates. De tanto sexo, emagreceu, a aliança folgava! Também tinha olheiras. Mesmo mobilizando os funcionários, voltou para casa com o anular desnudo. O marido distraído nem se deu conta e ela também esqueceu do assunto até ligarem do supermercado para avisar que tinham encontrado a dita cuja.

Não gostava de olhar seu dedo vazio com aquela marca branca. Queria logo sua aliança de volta: aquele símbolo de união, aquela mostra de status escancarada, aquela falsa proteção estampada contra abordagens indesejáveis. Uma vez recuperada, deu vários beijinhos nela e jurou que não seria mais tão relapsa. Gostava tanto de tê-la ali aderida, como parte de seu corpo e de uma percepção constante de que a vida é mesmo uma metamorfose ambulante!

sábado, 15 de setembro de 2018

Infinita Highway


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On the Road, de Walter Salles

A espanhola Rosa Montero, num de seus livros, “La Loca de la Casa”, conta que organiza suas lembranças a partir dos namorados que teve e dos livros que escreveu. Fiquei pensando em como eu ordenava as minhas. Seria por idade? Já que faço aniversário no Natal, todo ano novo é também uma idade nova. Não. Por ritos de passagem e fatos marcantes? Quando entrei na faculdade, quando tive o primeiro emprego, quando fui morar sozinha, quando me casei, engravidei... também não. Pelas casas em que morei, pelos forrós que dancei, pelas viagens que fiz, pelos bichinhos de estimação que tive... Me dei conta de que organizo minhas memórias pelas cidades onde morei.
Nascida em BH. Tem uma foto na portaria do prédio no dia em que minhas irmãs (gêmeas) vieram ao mundo. Tão risonha, nem parecia que acabara de perder o posto de filha única. E ainda por cima, em dose dupla.
Pequena em Marabá (onde meu pai foi Pará). Minha mãe conta que morávamos bem próximos da casa da luz vermelha e eu pedi uma luz igual pra nossa casa - logo se vê, já era rebelde. - Mas a única lembrança que tenho desse tempo é de uma aranha caranguejeira na parede branca num dia bem quente de carnaval.
Infância no Iraque. Por 5 anos pra lá de Bagdá, mais uma vez, por causa de uma obra do trabalho do meu pai, engenheiro ferroviário. Highway foi a primeira palavra em inglês que aprendi a ler. Lembranças muito felizes de um povo generoso, os árabes. Embora meu pai dissesse que legais mesmo eram os indianos. Até hoje minha mãe não deixa a gente passar o saleiro na mesa entregando em mãos. Lá na Express Way, um dos acampamentos brasileiros da Mendes Jr onde moramos, num almoço, quando minha mãe passou o sal para a indiana, ela deu a entender por gestos afoitos, na língua dela, não, não, que tinha que botar na mesa e então ela pegaria, obrigada! Passar o sal de mão em mão traz má sorte.
Depois veio a Disney, como despedida do Iraque e vinda definitiva para o Brasil. Voltei com o Pateta de pelúcia e um boné do Pato Donald. Minha irmã Amanda, com Minnie e Mickey, Fernanda, com Donald e Margarida. Bem democrático, cada uma cada uma, sem repetir preferências.
Atrás do carro não tinha briga para quem ia na janela. As gêmeas, uma de cada lado do carro, eu gostava de ir no meio, um cotovelo apoiado em cada banco, cantando de cor a letra inteira de “Infinita Highway”. Já não estávamos mais na paisagem marrom do Iraque, de tamareiras e deserto, mas nas montanhas de Minas Gerais, mais precisamente no bairro Santo Antônio, repleto de ladeiras, em Belo Horizonte, depois em Lourdes onde meus pais moram até hoje, quero dizer, minha mãe e a irmã caçula. Porque meu pai, ah! esse está até hoje cortando chão.
E foram longos anos, minha mãe comprando móveis provisórios, na iminência de que poderíamos nos mudar de novo, mas foi só meu pai: São Paulo, Vitória, ia e vinha. E aí foi colégio, várias viagens durante a faculdade, menina caminhando a trancos, barrancos e dramas pra virar mulher.
Fui pra Espanha. Me formei e fui pra Málaga, solita, Andaluzia, berço de Picasso. Era meu sonho vivenciar outra cultura, aprender espanhol dentro de uma família espanhola. E que sorte eu tive! Fui acolhida por pessoas muito especiais. Todo mundo morando na mesma finca (condomínio). Eu, Ángela e Luli, a pequena ninã de 2 anos que eu cuidava, na casa de baixo Carlete e Adol, irmãos de Ángela, e duas sobrinhas, Bebi e Paula, filhas de Carlete, e na última casa, os avós de Luli, Mariángeles e Carlos, e seu tio mais novo, Pablo. Longe de todos os conhecidos, amadureci, perdi muito da timidez, fiquei desenvolta e  comecei a comer salada.
Voltei pro Brasil, caí no forró e perdi, no chorar da sanfona, os quilinhos ganhos na Espanha. Virei forrozeira de bater ponto no forró da quinta, e ali construí minha alto autoestima. Fui morar sozinha e tornei-me um pouco adulta enfim.
Fui pra Caraíva uns dois anos depois, paraíso baiano com menos de mil habitantes, uma quase ilha onde carros não entram e àquela época com luz recém-chegada, porque até então, luz de noite era só com gerador. Verão no Lagoa, fui cair no lugar mais interessante do lugar. A estada hedonista de um ano esticou pra quase dois. Ali aprendi a desapegar e conviver com sapos, insetos e gente muito humilde, pescadores.
De lá vim pra capital carioca. Fui chamada pra um cargo de confiança. Vim pra entrevista, tive que pegar um sapato e uma calça emprestados de uma amiga, só tinha chinelo. Cheguei com medo de atravessar rua, lá na Bahia só tinha carroça. Entrava no supermercado e achava que estava num shopping. O cheiro da maresia, perfume predileto para uma mineira que já estava com saudades da vida cosmopolita.
Em Medellín, na Colômbia, engravidei! No Rio, me casei - não necessariamente nesta ordem. No Rio me finquei, mas por enquanto!
Acabou rendendo o assunto, esse de ordenar as memórias. É como a autora escreveu: "Podríamos deducir que los humanos somos, por encima de todo, novelistas." 

(texto escrito fruto do Clube do Autor do Terapia da Palavra)

sexta-feira, 25 de agosto de 2017

Carolinas





- Menina, você não vai acreditar! Olha o que eu achei dentro do livro que acabei de comprar aqui no sebo enquanto te esperava!

- Não acredito! Uma foto do Pierre Chateau Blanc? Que coincidência!!

- Pois é, reconheci no ato. Ele bateu essa foto quando éramos namorados. Cansei de dormir no sofá esperando ele tratar as fotos dessa série.

- Você dormia, é, sua boba? Eu me sentava no colo dele enquanto ele trabalhava no computador, assim não rendia muito.

As Carolinas riem e se beijam. O garçom se aproxima, uma pede café irlandês, a outra, milk-shake.

Carolina tem a pele branca, cabelo bem preto, rosto delicado e meigo e um olhar que diz tudo. A voz às vezes treme, mas o que quer dizer sai forte e decidido. As mãos são bonitas, ela as ocupa com cigarros e com a escrita. É concentrada e culta, intensa, atraente e reservada. Me apaixonei por ela na sedução (proposital?) de uma simples frase: "onde devo me sentar?" na primeira vez em que nos encontramos. Entendi tudo naquele momento: ela é envolvente - pensei. Fiquei curiosa pra saber mais daquela menina passional que gostava de falar do amor e da verdade a qualquer preço.

E você, Carol! Você era um desconhecido. Carol, Carol... dizia repetidas vezes o seu nome. E duas vezes, éramos nós. Nós duas. Esse nome que quando descobri ser o mesmo que o meu, tive uma sensação que nunca vou saber explicar. Um pouco de dor, sim, mas um reconhecimento também. Como se não fosse em vão a repetição de um nome. Como se uma parte de mim estivesse misturada à sua quando, enfim, tive certeza: o nome dela é Carolina.

- Que graça, Carol! E a gente se digladiava no blog de fotos dele, você assinava: Carol enquanto eu insistia: Carolina. E assim criamos uma diferença entre nós duas. Por vezes ele me chamava de Carol. Eu ficava triste. Meu nome era Carolina. E, agora, tudo o que restou para mim daquele homem, foi a palavra Carol. Como é que pode? Não me reconheço mais naquele papel!

E se beijam, apaixonadas, as meninas Carolinas, ecoando entre elas essa repetição de nomes.

-  Meu amor, nada sobrou daquela época a não ser você.

- E pensar que sentimos ciúmes uma da outra, raiva, curiosidade de ver o rosto, de ver se alguma coisa a mais se repetia entre nós. Não, éramos diferentes. Duas imagens diferentes, o mesmo nome. O mesmo homem.

E riem desaforadas Carol e Carolina.

- Mas uma coisa ainda perdura, na maior parte das vezes não te compreendo, isso é verdade. Não sei bem aonde você quer ir, o que quer das palavras soltas, o que você deseja, Carol, sua arredia!

E riem de novo escancaradamente.

- Talvez nunca saibamos isso de ninguém. É segredo.

- Garçom, traz um profiteroles e duas colheres, por favor?

- Quer ficar com a foto pra você?

E gargalham debochadas as namoradas. 


*mais um texto fruto da oficina de escrita criativa, Terapia da Palavra