sábado, 11 de janeiro de 2014

Nevermore





já estou em casa. está tudo bem.

hoje eu cheguei meio nervosa. não sei se você percebeu, acredito que não. normalmente eu chego com calor, mas hoje cheguei com calor e um pingo nervosa. eu passo o dia esperando bons sinais que me encorajem a ir mais leve até seu apartamento, me encontrar com você. hoje foi estranho, uma sensação de mau agouro parece que me acompanhava. 
sim, é irracional mesmo. como todos estes sentimentos desmedidos que me fazem lembrar você: proibidos, exagerados e bons.
e enquanto eu seguia, descadeirada, meu caminho de volta, um zumbido persistia no meu ouvido: nevermore.
completando o quadro, quando fui pegar minha aliança dentro da bolsa, ela rolou no chão. a minha aliança poderia ter sumido naquelas águas sujas que corriam entre o meio-fio e os carros estacionados.
your body is a wonderland. meu corpo, dolorido de excessos.
cheguei em casa e adivinha? na TV tocava “This is the end”! como um prenúncio do que se passava na minha cabeça, agora talvez mais um sinal para eu fincar meus pés no chão. Jim Morrison estava tão louco, tão louco como meu marido no sofá e você quando se despediu de mim. um incenso queimava para despistar o cheiro bom do cigarro. o mesmo cheiro das sete pimentas que exalava ainda há pouco. eu cheguei e ele me recebeu com um sorriso largo e me beijou como se não me visse há uma semana. eu, canalha e debochada, retribuí com a mesma boca que vinha da rua. antes, no táxi, dei uma bela olhada no espelho para conferir se havia algum rastro seu. não tinha nada aparente então eu não precisei correr para o banho e pude sentar à mesa, descarada, com aquela sensação maravilhosa na pele. 

... continuar seria ilógico.
*quadro: "Nevermore", de Paul Gauguin (inspirado no poema “O Corvo” de Edgard Allan Poe)

https://www.khanacademy.org/humanities/becoming-modern/avant-garde-france/post-impressionism/v/paul-gauguin-nevermore-1897