sexta-feira, 8 de abril de 2011

30 gramas de fetiche




No começo ficava vestido dentro de casa: camisa polo, meias, sapato bem lustrado. Uma cerimônia só! Depois começou a perguntar se podia ficar descalço. Hoje em dia nenhuma roupa usa e nem se preocupa em fechar as cortinas. Faz café, lê jornal, vê TV, anda falando ao telefone, come um caqui... Assim como veio ao mundo. Quem diria, hein, Manolo?

Mabel tinha uma teoria: todo narigudo é bonito, mas nem todo bonito é narigudo. E assim via o mundo. Ficava sem chão quando enxergava um narigudo na cantina no intervalo da faculdade. Faltava-lhe o ar quando no sinal avistava um narigudo no carro ao lado. E perdia o tino, ai!, quando um narigudo lhe olhava com luxúria.

Mabel e Manolo hoje dividem o mesmo teto.

O dia estava azul e branco quando se conheceram. Na primeira vez que Manolo veio buscar Mabel em casa, ela, longos cabelos soltos, o esperava na varanda que dava pra rua. Descia, entrava no carro, ele, nenhum fiozinho de cabelo fora do lugar, a camisa bem branca e esticada. Ela, um decotaço que ele não percebeu. Logo no jantar, ele disse: Você parecia a Rapunzel naquela sacada me esperando. Ela, decepcionadíssima, bem preferia ter escutado: Você estava uma gostooosa naquela varanda! E na hora do brinde com vinho branco ele diz: A você, minha princesa! Ela faz xix porque queria ouvir: Gata! Ele dirigindo na volta pra casa passa num buraco e Mabel pensa ranzinza: Ô roda-dura! E toma um susto, bom, porque ele pega na perna dela, mas joga tudo no ralo quando docemente pergunta-lhe, olhando lá no fundo dos seus olhos: Você está bem, princesa? Mabel, desiludida, bem gostaria que ele esbravejasse: Caralhooo!! Essa prefeitura de merda que não conserta a porra desses buracos!!!

Manolo tinha uma forma suave de falar, um jeito lento de se mover, uma maneira muito cuidadosa de mexer nas coisas. Se fosse de vidro não quebraria nunca. Mas tinha o nariz grande, uns 30 gramas de nariz. Mabel, acima de tudo, só enxergava aquele narigão que botava qualquer titubeio no chinelo. Manolo era narigudo e logo, bonito de morrer!

Numa festa a lua estava cheia. Mabel comentou, que linda a lua. Manolo disse: É nossa! Foco, Mabel, foco no nariz! Manolo era menino criado por vó, e por isso, ingênuo e puro - consolava-se a pobre. Era ver pra crer!

Despedindo-se no carro ela ansiou por uns amassos, queria ouvi-lo dizer: Vou te sequestrar! Mas ele lhe deu um beijo insosso na boca e perguntou: Posso arrancar um pedaço, pôr no formol e deixar ao lado da minha cama? E pra piorar deu-lhe boa noite com um beijo na mão. Mabel subiu as escadas enfurecida e antes que fosse preciso interná-la em camisa de força, prometeu que aquela seria a última vez, a última, entendeu?

Mas quando fechou a porta do quarto e viu dependurada a caricatura do namorado feita naquele evento de quadrinhos, o narigão sobressalente, teve sonhos eróticos com Manolo e esqueceu de tudo.

Numa reunião de amigos, cada casal disse qual parte do corpo de seu companheiro gostava mais. Manolo disse: As mãos de Mabel. Ela não aguentou: Poxa, eu ralo malhando a coxa na academia! Neste dia ele se animou, pegou na perna dela, ela gostou, queria que ele agora pegasse na sua bunda, mas ele fez uma pausa pra dizer: Parecemos duas crianças nos descobrindo. Fon fon!

Era impossível, basta! - ela disse. Continuar com ele era como “querer transformar em azul o mar vermelho” (frase bonita do Amos Oz)! Então no rádio do carro começou um reggae e Manolo cantarolou: I wanna love you and treat you right I wanna love you every day and every night. Apontou o nariz pra ela e os dois cantaram juntos o refrão: is this love is this love is this love that i´m feeling?