sexta-feira, 9 de abril de 2010

INACABADO



“... sonreía sin sorpresa,
convencida como yo de que un encuentro casual era lo menos casual en nuestras vidas,
y que la gente que se da citas precisas es la misma que necesita papel rayado para escribirse
 o que aprieta desde abajo el tubo de dentrífico.”

(Julio Cortazar - La Rayuela)

¡oye, cariño¡, respondendo sua pergunta, eu lembro, sim. e adoro! e se fossem outros tempos, eu também diria que soubemos aproveitar. não se preocupe comigo, você não me despedaça. o que foi já faz parte, ainda, não é? e “quando você for embora para bem distante e chegar a hora de dizer adeus” eu não quero estar lá pra me despedir.

era tão encantador, ele, que uma vez, um casal que cruzou na estrada, deu-lhe um presente, uma passagem de volta ao mundo. com olhos assim, ele conseguiria qualquer coisa. daí ele foi, mas se cansava e queria ir logo embora. imagino que só ele se cansava, as pessoas nunca se cansavam dele.

tem olhos bonitos e um jeito quieto. diz que prefere se expressar de outras maneiras. mas isso eu já tinha percebido, um par de dias antes, quando o vi entrar.

naquela casa era música espanhola e livros espalhados, três ou quatro em cada canto. filmes, desenhos, fotografias. sempre havia louça na pia, café recien hecho e ovos de páscoa. lá fora chovia.

aquela tarde estavam todos na sala. mas ele, na cozinha, me vendo lavar a louça. sentado quieto, aquele jeito quieto dele, numa cadeira que posicionara bem próximo de mim, com a xícara de café na mão e os olhos baixos, ele disse como que sussurrando: “eu precisava vir para te dar um oi.” “o quê?” –  não acreditei no que ouvia. “eu precisava vir.” – disse agora olhando pra mim, pale green eyes.

com olhos assim, ele conseguiria qualquer coisa. e também aqueles que usam barba, os que têm mãos bonitas, aqueles de sotaque pernambucano que falam: “ah se a gente se queresse” ou “vamos se ver”. e finalmente, os que levam chapéus. uma pausa para os fetiches nossos de cada dia!!

"- ah, você precisa!" é a segunda vez que se veem. e também a última.

espera abrir o pano: merda pra você! as luzes são acesas todas de uma vez. dentre os fetiches, há também aqueles que se expressam. é mais um deslumbramento a seu favor: o que vem dele é doce, além de cada palavra não-dita, nossa! pode ser a última vez e por isso ele lamenta não ter trazido a câmera. é que ele usa de outras formas de expressão. me disse isso. con ojos así ni le hacía falta. te involucra, te embruja. es casi una magia, le es muy difícil librarse de eso.

não sentia frio com ele. mas ele perdeu o dia, teve febre. quando é que o coração não agüenta e explode na pele? quando é que o que a gente sente transborda? por que nem sempre a gente aguenta?

então, deixe estar. deixa ser esta a última vez. eu fico aqui com a minha insensatez. seu pai não dizia: mais morre afogado quem sabe nadar?

por mais que eu me faça de esquecida, não há trégua.  
já faz um ano. e ainda.

...

(foto by diego saldiva - http://www.diegosaldiva.com/)