segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Folie à Deux



Head on the ground:
“Trabalho nos bastidores da vida”, era o que costumava dizer. a psiquiatria era o lugar de onde você explicava e enxergava o mundo.  dizia ouvir coisas que um não pagaria pra ver. desde criança queria ser útil, ter uma profissão que salvasse o mundo. você tinha talento para tratar com gente, empatia para escutar suas mazelas e ouvido apurado para notar as singularidades de quem fosse. era perceptivo, observador e sagaz para intervir. um sucesso de menino! e muito gostoso, muito.

Feet on the air:
Curava lá fora e desconcertava aqui dentro.

Where´s my mind?
Fora deste universo, não menos complexo, você pensava alto em alguém que gostasse de caminhar na chuva, assim como você, aqui em Paris, sua cidade natal, onde seus pés estão bem fincados há 30 e poucos anos. e essa é a parte da história onde eu entro, distraída, assoviando dó ré mi sol e sem querer saio do palco, ensopada de chuva, e no caminho perco um parafuso, e no descaminho dou na sua porta, que você imediatamente abre, fascinado pelo meu jeito, meu sotaque, minha audácia e pelas cartas que um dia eu pudesse te escrever. você também está gotejando, tiritando de frio, você diz: “acabo de chegar!” e conversa amenidades, como se não fôssemos íntimos. e somos? logo saberia, a convivência nos aproximaria. e assim, como sol lá si dó, me meto desconfiada nestes bastidores e uma vez lá dentro me transformo em fantoche manipulada à sua revelia. neste esconderijo atemporal se desenrola a nossa história, folie à deux, pano de fundo para que a nossa existência, farta de frases desconexas, delirium tremens e erotomania, se dê. que paradoxo, tanta loucura, mas é tão confortável aqui. não, doutor, não me receite psicotrópicos, estou perturbada, mas é normal, minha confusão sobre qual sinal pendurar naquela porta não é descabida: ‘don´t disturb’? ‘you´re welcome’? não se preocupe, você diz: "eu quero um a um com você", while I ask myself: "where´s my mind?" não tenho escolha, don´t stop. morro de paixão quando me enrosco contigo.


https://www.youtube.com/watch?v=GfcW_cPDCHo

terça-feira, 9 de agosto de 2011

Identidade.


"Pode-se até começar a sentirse chez-soi, 'em casa', em qualquer lugar,
mas o preço que se paga é a aceitação de que em lugar algum
se vai estar total e plenamente em casa. (...)
As 'identidades' flutuam no ar."

Zygmunt Bauman
sociólogo nascido na Polônia e naturalizado britânico.

Tradução minha de um texto de Andrés Neuman*:
El país de la espera: la otra cara de los aeropuertos

Vó Rosa nasceu na Espanha. Cresceu durante a República e se exilou quando acabou a guerra. Na Argentina teve outra vida, outra família e muitos netos. Lá, Rosa perdeu suas raízes, ou ganhou novas, ou ambas coisas. Foi feliz e infeliz, conheceu democracias e ditaduras, fartura e miséria. A Argentina, em síntese, pareceu transformar-se em seu destino. Mas depois de ficar viúva, Rosa quis voltar à Espanha para encontrar sua irmã, que permanecera em seu país natal. A irmã espanhola a recebeu desejosa de inaugurar de novo o tempo. O reencontro trouxe emoções, surpresas e conversas durante todo o ano. Neste período, a família argentina de Rosa não deixou de telefonar pedindo seu regresso. Voltar como, se acabo de voltar?- pensava ela ao escutar a voz dos filhos do outro lado da linha, enquanto olhava para as rugas da irmã mais nova.

Com o passar dos meses, Vó Rosa começou a hesitar. Recuperara a irmã e os lugares da infância, mas sentia saudade dos outros parentes, suas outras ruas. Após numerosos telefonemas, Rosa acabou aceitando as passagens de avião que lhe deram. Arrumou novamente as malas e, uma tarde, se dirigiu ao aeroporto de Málaga para voar à Argentina. Na manhã seguinte, sua família ligou para a Espanha preocupada. Cadê a vovó? Seu avião havia pousado sem ela a bordo. Sua irmã não sabia de nada. Rosa não havia voltado nem telefonado.

Às pressas, sua irmã pegou um táxi ao aeroporto para perguntar por ela. Logo em seguida, a encontrou sentada em uma destas salas de espera, quietinha, olhando de forma ausente os painéis dos voos. Vendo mudar os lugares, os horários, as companhias. Estava assim o dia inteiro. Havia perdido o avião e os seguintes. Não tinha trocado de roupa. Parecia tranquila.

Quando Vó Rosa pousou finalmente em Buenos Aires, seus familiares atribuíram seu comportamento à senilidade que, por momentos, dava indícios nela. Eu prefiro pensar que Rosa teve um insuportável acesso de lucidez. Que passou 24 horas refletindo de frente para o painel dos destinos, meditando quem era e de que lado estava, no único lugar do mundo onde não se está em nenhuma parte: o aeroporto. Quero pensar que Rosa, antes de voltar para seus netos, averiguou para quê serviam as esperas, o estado de trânsito e os passarinhos que voavam no telhado.
* Andrés Neuman nasceu em 1977 em Buenos Aires onde passou sua infância. Hoje vive em Granada, sul da Espanha, em cuja universidade foi professor de Literatura hispano-americana. Recebeu vários prêmios e esteve mês pasado no FLIP , a Feira Literária de Paraty. Sou fã dele e acho lindíssimo este texto!! Parecido com este tema, há o filme de 2001,  "Herencia", da argentina Paula Hernández.

segunda-feira, 13 de junho de 2011

amantes.


*um texto para subverter a ordem do dia,
dia dos namorados.*
gosto de me lembrar, eu sonolenta ouvia você se trocando para viajar. seu jeito afobado, catando as coisas pelo caminho, o cheiro do café. antes de sair você se abaixou e sussurrou no meu ouvido que me amava. foi a primeira vez que me disse isso. eu freqüentava a sua casa. era sempre jazz de fundo e manchas de vinho nos sofás. você punha o colchão no chão e o ventilador ficava em cima da gente. lembro da primeira vez que fui lá. depois de dançar a noite inteira você me chamou pra ver a árvore que enfeitava a sua varanda. fazia noite de lua cheia e um pouco de frio, você me emprestou um casaco e não deixou que eu o devolvesse quando fui embora. queria me ver outra vez. lembra do dia que a moça da faxina chegou antes que eu saísse do banho? você me ajudou a vestir dentro do banheiro. o chão estava alagado e você se agachou para subir a barra da minha calça... éramos felizes. lembra da primeira vez que você fez marshmellow? pra comer com os morangos e me lambuzar, junto com a champanhe. aquele dia comemorávamos seu aniversário. era estranho te dividir com outra pessoa. leviano? muita gente podia achar, mas aconteceu com a gente. e por você ser sempre tão presente, me completava. não havia rótulos, sei lá, estávamos juntos, era tudo. e o dia que você me deu uma calcinha vermelha em formato de flor? você me entregou dando risada dizendo que comprara “aquela cafonice” para ajudar alguém na faculdade. mesmo assim, eu adorei. imagina! nada que vinha de você era brega. como eu adorava passear de mãos dadas com você! e quando me pegava de carro pra ir comer uma torta de chocolate n´algum lugar, lembra? a gente ia ouvindo Roberto Carlos no ipod. e as baladas até de madrugada? foram tantas! lembro das suas atrapalhadas, seu jeito elétrico e apaixonado, da sua insistência pra ficar comigo. essa obsessão me lisonjeava. guardo o cheiro da sua casa, do perfume de flor que entrava de noite, quando você abria uma fresta da janela. tinha uma foto dela na mesa do escritório, mas não me incomodava, o seu amor a ofuscava. e que contraditório, se era você quem enlouquecia de ciúmes. e aquela noite que você ligou pra sua mãe pra contar que não ia mais se casar? estava apaixonado por outra pessoa, lhe disse. ela levou tanto susto! você só queria me testar. meu amor, já faz quanto tempo? são quantos anos? e ainda. te mando esta carta desde longe. espero que goste, sempre esperei. espero que goste de tudo. para sempre sua.


sexta-feira, 3 de junho de 2011

a piece of David Lynch:




       por Colina Coralina,
             com contribuições e melhores intenções de Mario Teixeira*.
mais de meio-dia, quando pousa na cidade maravilhosa. independente e auto-suficiente que é, resolve imediatamente conhecer o Rio de Janeiro. mas chega no hotel e até abrir a mala e guardar cada peça de roupa em seu devido lugar, mergulhar forte naquela cama king size e testar o ar condicionado...
por quase o sol já se havia posto e lá estava ela de frente para o teleférico com duas mulheres friorentas à sua frente. usam uns casacões enquanto ela, minissaia. elas pegam o primeiro, riem muito porque não conseguem subir nele e aquela alegria bêbada causa-lhe preguiça, que frescura! mas na sua vez vê que o ‘trem’ é mesmo sem jeito de subir: balança que só, sô! senta-se desajeitada e sobe, sobe, sobe. faz frio, mas é tudo tão lindo, pura mata atlântica! observa um miquinho pular de árvore em árvore e sente medo e fantasia que uma cobra lhe caia na cabeça. o verde-escuro é úmido, é floresta fechada, frescor e silêncio lhe confortam. suspira! fim. salta num campinho de futebol de terra vermelha, gols feitos com pedaços toscos de madeira e meninos, que como os miquinhos, se divertem a valer. quer comê-las, as crianças (são fofas com seus sorrisos), ao mesmo tempo que sente medo e fantasia que uma cobra surja pelo chão. está no Complexo do Alemão, uma das favelas pacificadas da cidade. aqui tem UPP, é seguro, ponto turístico exótico pra este tipo de turista, gringo. caminha, já quase consegue enxergar a cobra ao seu lado - seria ali o paraíso com suas contradições? -, e dá na varanda de algum lugar. sentadas num murinho pessoas comem da panela de um fogão ao ar livre. ela parece invisível, ninguém lhe olha enquanto contempla a novidade - já estarão acostumados a ser como miquinhos para turistas - , menos um, um moço de pé entre os outros, um moço que lambe os dedos e tem um prato de plástico nas mãos. ela, sente medo e fantasia encenando aquela tela onde ele é o único espectador. o único que nota sua presença lhe causa horror. escurece, time to leave!
o teleférico da volta é distinto. o caminho também, é estreito e escuro, há só um pedaço de ‘cano’ onde se pode segurar com as duas mãos. dependura-se nesse poleiro invertido, sensação estranha... tem medo e fantasia de escorregar,  aperta forte. passa mil cremes nas mãos, vai escorregar! o chão é cheio de pedrinhas e terra vermelha, parece uma saída clandestina, feita às pressas. como se arrepende! é aquilo um túnel, as paredes de barro mole, avermelhado, quente.  sente o calor em sua pele. a serpente segue dolente: tem que encarar, minha filha! agarra-se e vai descendo suspensa como uma franga de frigorífico. seus pés encostam nas pedrinhas do chão enquanto desce, e dali vê pessoas rastejando. elas tentam subir, misturadas àquele barro bíblico de onde vieram, num sacrifício dantesco. onde estou? no inferno? chega logo, este inferno de sensações dura uns poucos segundos. também surge lá embaixo o moço que lhe olhava lá em cima. ele usa uma camisa torta, tatuagens desfocadas, é grande, pelancudo e grosseiro. aproxima-se sem cerimônia: ‘gostei de você, aê?’ – aponta suas mãos gigantes à medida que diz olhando sarcástico nos olhos dela que buscam debandar-se dali. não tem ninguém por perto, a serpente já foi, e não tem saída. histérica, não quer ver, tapa os olhos pra gritar e ouve um barulho, uma sirene? são oito da manhã e o despertador de súbito lhe acorda. é quando sai sem medo e com fantasia em busca do teleférico.


* Mario? que Mario?
in: http://lugarmarioteixeira.blogspot.com/

sexta-feira, 8 de abril de 2011

30 gramas de fetiche




No começo ficava vestido dentro de casa: camisa polo, meias, sapato bem lustrado. Uma cerimônia só! Depois começou a perguntar se podia ficar descalço. Hoje em dia nenhuma roupa usa e nem se preocupa em fechar as cortinas. Faz café, lê jornal, vê TV, anda falando ao telefone, come um caqui... Assim como veio ao mundo. Quem diria, hein, Manolo?

Mabel tinha uma teoria: todo narigudo é bonito, mas nem todo bonito é narigudo. E assim via o mundo. Ficava sem chão quando enxergava um narigudo na cantina no intervalo da faculdade. Faltava-lhe o ar quando no sinal avistava um narigudo no carro ao lado. E perdia o tino, ai!, quando um narigudo lhe olhava com luxúria.

Mabel e Manolo hoje dividem o mesmo teto.

O dia estava azul e branco quando se conheceram. Na primeira vez que Manolo veio buscar Mabel em casa, ela, longos cabelos soltos, o esperava na varanda que dava pra rua. Descia, entrava no carro, ele, nenhum fiozinho de cabelo fora do lugar, a camisa bem branca e esticada. Ela, um decotaço que ele não percebeu. Logo no jantar, ele disse: Você parecia a Rapunzel naquela sacada me esperando. Ela, decepcionadíssima, bem preferia ter escutado: Você estava uma gostooosa naquela varanda! E na hora do brinde com vinho branco ele diz: A você, minha princesa! Ela faz xix porque queria ouvir: Gata! Ele dirigindo na volta pra casa passa num buraco e Mabel pensa ranzinza: Ô roda-dura! E toma um susto, bom, porque ele pega na perna dela, mas joga tudo no ralo quando docemente pergunta-lhe, olhando lá no fundo dos seus olhos: Você está bem, princesa? Mabel, desiludida, bem gostaria que ele esbravejasse: Caralhooo!! Essa prefeitura de merda que não conserta a porra desses buracos!!!

Manolo tinha uma forma suave de falar, um jeito lento de se mover, uma maneira muito cuidadosa de mexer nas coisas. Se fosse de vidro não quebraria nunca. Mas tinha o nariz grande, uns 30 gramas de nariz. Mabel, acima de tudo, só enxergava aquele narigão que botava qualquer titubeio no chinelo. Manolo era narigudo e logo, bonito de morrer!

Numa festa a lua estava cheia. Mabel comentou, que linda a lua. Manolo disse: É nossa! Foco, Mabel, foco no nariz! Manolo era menino criado por vó, e por isso, ingênuo e puro - consolava-se a pobre. Era ver pra crer!

Despedindo-se no carro ela ansiou por uns amassos, queria ouvi-lo dizer: Vou te sequestrar! Mas ele lhe deu um beijo insosso na boca e perguntou: Posso arrancar um pedaço, pôr no formol e deixar ao lado da minha cama? E pra piorar deu-lhe boa noite com um beijo na mão. Mabel subiu as escadas enfurecida e antes que fosse preciso interná-la em camisa de força, prometeu que aquela seria a última vez, a última, entendeu?

Mas quando fechou a porta do quarto e viu dependurada a caricatura do namorado feita naquele evento de quadrinhos, o narigão sobressalente, teve sonhos eróticos com Manolo e esqueceu de tudo.

Numa reunião de amigos, cada casal disse qual parte do corpo de seu companheiro gostava mais. Manolo disse: As mãos de Mabel. Ela não aguentou: Poxa, eu ralo malhando a coxa na academia! Neste dia ele se animou, pegou na perna dela, ela gostou, queria que ele agora pegasse na sua bunda, mas ele fez uma pausa pra dizer: Parecemos duas crianças nos descobrindo. Fon fon!

Era impossível, basta! - ela disse. Continuar com ele era como “querer transformar em azul o mar vermelho” (frase bonita do Amos Oz)! Então no rádio do carro começou um reggae e Manolo cantarolou: I wanna love you and treat you right I wanna love you every day and every night. Apontou o nariz pra ela e os dois cantaram juntos o refrão: is this love is this love is this love that i´m feeling?



terça-feira, 29 de março de 2011

Marietta.



sempre que estou num andar alto e escuto lá de baixo o barulho abafado dos carros e dos ônibus circulando, por mais estranho que isso possa soar, sinto uma sensação deliciosa! durante a minha infância e pré-adolescência, a minha avó Marietta morou no 7º andar de um edifício no centro de BH. ali na rua da Bahia com Tupinambás eu dormia alguns finais de semana numa cama que de tão cômoda parecia me abraçar. a cama dela, naquele quarto de chão acarpetado que tinha o cheiro de seus perfumes e cremes. eu acordava e escutava o barulho vindo de longe da cidade acontecendo, olhava pro lado e minha avó não estava mais lá. então vinha o eco da cozinha, um tinir de copos e talheres.

vovó nunca soube gritar, chama as pessoas devagarinho. é a mulher mais delicada que já conheci. quando tem alguém dormindo, fecha a porta de mansinho, sai pé ante pé. o sono na casa dela é de bela adormecida.

eu me levantava de pijama azul estampado com nuvens rosas e a encontrava pomposa na cozinha retirando do engradado as garrafinhas de guaraná antártica pro lanche. de almoço, a especialidade dela, strogonoff de frango e pé-de-moleque de sobremesa. de tarde, a melhor parte: seu biscoito de polvilho.

eu ficava brincando com minhas panelinhas de plástico ouvindo Turma da Xuxa enquanto ela conferia, sentada na cama, os extratos das poupanças da Caixa. na TV, Sílvio Santos mandava abrir a porta da esperança.

a vida toda vaidosa. deu cedo pras filhas um batom vermelho para que jamais sorrissem amarelo. as meninas impecáveis, quando iam trabalhar alisavam os cabelos com o ferro de passar roupa e deixavam na véspera os vestidos dormirem embaixo do colchão. saíam sem um amassado diante do fã clube de moços que queriam se casar. o filho homem também era um brotinho cobiçado, como diziam naquela época.

os armários repletos de roupas, maquiagens, laquê pro cabelo. sempre muito, muito elegante. a vida inteira ouvindo elogios por onde passava, a mais charmosa do trabalho, do bairro. até a médica geriatra se encanta por ela, elogia sua feminilidade, seu capricho. avó extremamente carinhosa e acolhedora, mulher valente, íntegra, apaixonada, dinâmica, criou os quatro filhos sozinha devido a um marido ausente, trabalhou fora numa época em que isso não era fato corrente. jogava volley e adorava tango.  por causa disso ainda conserva um belo par de pernas estonteantes.

estou aqui de frente pra Liz Taylor que é a capa de revista esta semana. e penso que minha avó, se a Hollywood pertencesse, estamparia plena qualquer revista. ela, a diva Marietta!



sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Princesa


Soledad estava sempre sozinha. Era famosa na locadora, lhe tratavam pelo nome. Ali batia ponto nos finais de semana, saía com 3 filmes debaixo do braço, 2/3 deles europeus em preto e branco. Na praia era sempre só ela, seu jornal, sua cadeira e o guarda-sol. Nenhum surfista vinha pedir ajuda para subir o zíper daquele macacão de surf. ‘Bem que podia!’ – sonhava. Os que vinham pedir para olhar as havaianas enquanto davam um mergulho eram todos senhores bem enrugadinhos. Desgostosa da vida, ia da praia direto a comprar um frango assado. Só levava o celular frenético consigo para ver as horas. Quase sempre não estava para ninguém! O homem que fatiava o frango já sabia que só precisava cortá-lo ao meio e não em partes. Soledad não tinha paciência para esperar. Era magra, mas estava sempre faminta. Uma amiga sugeriu que adotasse um cãozinho: ‘Vai te fazer companhia’. Que nada!, Soledad era feliz assim, se bastava fumando seu cigarro. Independente, sentia-se em paz. Toda semana o mesmo enredo: ela e um saco de pipoca doce numa poltrona de cinema, ela sozinha no metrô, ela sozinha no shopping, sozinha no self-service, livre e plena. Soledad não é feia nem burra, não é medrosa nem pessimista, hipocondríaca ou desleixada. Pelo contrário, sua autoestima é do tamanho de seu espelho. Você pode achá-la antipática, arrogante, egoísta. Esquizofrênica talvez? Engana-se: a Soledad é uma conchinha, interveio sua psicanalista uma vez: ‘Você não se aproxima das pessoas porque não quer que elas te conheçam.’ Tiro certeiro na sua alma, nunca mais voltou à terapia. Não queria mudar. Era que nem burro quando empaca.
Soledad curtia sua solidão, seus filmes prediletos eram recheados de personagens solitários, mas às vezes batia uma vontade de ter um namorado! Nestes dias, fogosa da vida, ligava para as amigas e ia para El Born prestando atenção em todos os rostos. No trabalho não tinha ninguém que prestasse e seu espanhol carecia de brilho para cantar alguém virtualmente num desses chats. O jeito era se jogar no ringue e sair sorrindo a torto e a direito para os mocinhos que lhe chamavam a atenção. Era só querer que voltava acompanhada para a casa.
Hoje ela faz um mês de namoro e Javier vai buscá-la para um happy hour de celebração. É inédito alguém ir pegá-la no trabalho. Soledad passa o dia eufórica, ansiosa pela concretização de um sonho tão antigo. Lembra-se com asco e dor do tempo que era menina de programa para pagar a faculdade, quando fantasiava o dia em que um homem de bem a buscasse na porta do serviço. Fato improvável naquela época, já que na rua não tem porta e muito menos interfone. É chegada sua vez.
inspirado na música 'Me Llaman Calle', de Mano Chao,
 trilha sonora do filme 'Princesas', de Fernando León de Aranoa:

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Gotham city





                                           


Copacabana é o bairro mais populoso do Rio de Janeiro, abocanhando cerca de 150 mil habitantes. abriga três estações de metrô, três favelas, um dos hotéis mais luxuosos da América Latina, de sinagogas a sex-shops, o forte e uma praia em formato de meia-lua: a princesinha do mar, assim chamada, é dona do calçadão mais charmoso da orla pelos desenhos de Burle Max. Drummond não sai de lá.


é a um palmo desta praia donde vivo yonum destes 20 aptos por andar desta caótica e animada Gotham City, caracterizada por ter mais moradores do que pode comportar - ampla e confortavelmente falando. há tempos, este renomado pedaço de terra espremido entre o mar e a montanha, encheu-se de prédios altos, de aptos colados uns aos outros e tornou-se um microcosmo brasileiro, unindo diferentes classes sociais e turistas em todas as temporadas. por isso, venho falar dos meus vizinhos, que mesmo não se tratando de um prédio “treme-treme”, eles são bem peculiares!


a vizinha do 1019 viaja com o namorado europeu e deixa a gata pra eu cuidar. traz como agradecimento um ímã de geladeira que diz: lembrei de você em Arraial do Cabo. o souvenir não combina nada com a minha cozinha, mas mesmo assim o tasco na geladeira! o estilo de vida dela tampouco tem a ver com o meu. no dia dos namorados, penso na Lapa e comento que hoje é um dia bom para sair: para uma solteira como eu, imagino que todos os mocinhos avulsos na rua hoje sejam solteiros. ela concorda e me sugere uma volta no shopping! shopping? ni hablar! quem vem semanalmente limpar o apto do vizinho do 1021 é a ex-mulher. oi? ainda este tal querido vizinho me levou para aulas de samba, soltinho e gafieira. Jaime Arôcha elogiou meu batom e o meu vestido, me fez sentir una chica Almodóvar! meu gato Bahia quer passear e começa a dar voadoras na porta e, enquanto saio com o lixo, ele corre para dentro de uns dos quatro aptos que a bruxa do 608 aluga pra temporada. ela odeia gatos, reclama e pede bufando pra tirá-lo já de lá, 'não quero pulgas em minha casa'. eu digo que meu gato não tem pulgas. ela quer me xingar, ela diz: 'mas você é tão bonitinha, não queria fazer isso, mas se continuar assim...' já que moro de aluguel, tenho que engolir. na volta do xerelete do Adega Pérola, cruzo com a vizinha do 722. ela pede fogo e a voz sai das entranhas, parece que ela quer chupar meu sangue. medo! a hipocondríaca que acaba de mudar-se para o 1021 passa os dias jogando Baygon na entrada de sua porta e reclamando de alguma dor, um leque de sintomas que variam a cada dia. o vizinho do 512 mente, diz que tem 19, mas tem 16. pede abrigo quando briga com os pais e ajuda para escrever cartas para a namorada. ele tenta, eu sempre invento uma desculpa. ganho um prato de macarrão da vizinha do 917 depois que a deixo cozinhar em meu fogão - cortaram seu gás. ela compartilha apto de 40 m2, iguais a todos do prédio, com o namorado, a mãe e o irmão dele, os dois filhos dela e ainda Kate e Tubo, a cadela dele e o gato dela. vida bandida!




são 12 andares, 24 aptos conjugados por andar, mais de 500 moradores, 10 porteiros. um deles um dia me disse que tinha um presente pra me dar. ganhei uma mexirica! e depois, me vendo ir viajar, gritou da portaria: 'volta logo'! fala sério! minha gata se esconde debaixo da máquina de lavar quando a criança do 807 toca a campainha. houve um tempo que eu a emprestava, a  gata preta, coitadinha, para ele e a menininha do 217 brincarem. deixo umas roupas para reparos e descubro que a costureira é minha vizinha do 204. ela me pede para ir a sua casa ajudá-la a tirar uma passagem online e acabo horas no MSN com seu pretendente virtual, Mustafá, um turco que ela achava ser espanhol. minha hóspede flerta com o vizinho do 406. ele é gay, comento, mas adora provocar, por isso ela segue tendo fantasias com ele. belo dia chego atrasada no trabalho porque tenho que ajudar a vizinha do 703 que bate à minha porta chorando por não conseguir pôr os curativos pós-cirurgícos na Cocada, sua gatinha recém-castrada. ela também divide apto com Eros, seu cão obeso, e chega outro dia à minha porta com um pedaço de bolo como agradecimento, justo na hora que eu penava tentando fechar um zíper nas costas do vestido. Deus dá em dobro mesmo!




vivo nos fundos de Copacabana. não tenho vista para o mar, mas posso usufruir de um útil varal na minha janela. pago a língua cada vez que penduro qualquer coisa lá. numa dessas, deixo cair uma toalha que pousa no ar condicionado do vizinho do 314. deixo uma notinha debaixo da porta pedindo por gentileza que deixe a dita cuja na portaria. quando volto encontro um bilhete com seu nome completo, e-mail, telefone em Salvador, endereço e Orkut: ‘não encontrei a toalha, mas vamos tomar um café ou quem sabe, um avião?’ oh! quanto mais eu rezo... Bahia corre pro 11° andar, escuto seu miado, subo e o encontro mordendo fios na obra elétrica, me lembro do carneiro eletrecutado da infância, mas não consigo tirá-lo de dentro daquele puxadinho. desmaiaria se fosse mais boba, churrasquinho do meu gato, mas desço atrás de um atum em lata para atraí-lo. em vão, ele é salvo pelo síndico que me traz o bichano todo empoeirado no colo, meu herói!! a babá do filho do taxista do 301 comenta preocupada do dever de casa do menino: ‘fala de Xangô, mas Xangô é coisa de demônio! e também tem textos sobre trovão. trovão é Deus, óxente!’ e lamenta: ‘não estou entendendo este colégio!’ axé, odara!




neste momento lambo os dedos de manjubinhas picantes em conserva que a vizinha do 917 me deu de natal. os gatos também ganharam um pote de manjubinhas fritas. e ouço as músicas da bandinha de hip hop daquele meu vizinho adolescente. morar aqui é assim, cuspo no prato que como, mas Copacabana, eu hei de amar. na real, oscilar entre amo e odeio, varia com o humor do momento. se mau, vejo tudo bizarro e feio. se bom, é tudo estranho mesmo, só que curioso e divertido.




viva o olhar antropológico! viva a subjetividade humana e a diferença! afinal, que sem graça seria se todos fôssemos iguais.








terça-feira, 16 de novembro de 2010


era engraçado o barulhinho que a chaleira fazia esquentando a água pro café... ela gemia! e ele disse que lembrava você. ui, chega a dar um arrepio, mas elogio ou disparate? depende de que lado você está. se aqui dentro deste apartamento, tan calentito, ou pra lá dessa varanda. porque aquelas noites, essas noites! e madrugadas, manhãs, tardes, deviam de acordar os vizinhos. ah se! se um domingo ele acordou arretado com a TV do apê ao lado e outro dia, participava d´uma corrida de fórmula 1 vinda do corredor, então eles também haveriam de compartilhar dos gemidos da chaleira. e até a respiração dele que não era só você que ouvia. cada um se diverte como pode! outro dia falamos de amores líquidos, que "duram" fugazes, do prazer de consumir e descartar. e agora você se delicia surpresa e quer dizer aos 4 cantos: alô pessoas! vocês deveriam insistir, investir e acreditar. nisso, nessas coisinhas do amor! de repente você precisa que elas saibam que um tempinho a mais pode aproximar, viciar, fazer apaixonar-se... e que assim, tem tanto mais sabor! a contraindicação é uma só e boba: afasta-se un poquitín da civilização. explica-se fácil: a paixão é egoísta. pura constatação! as pessoas ali de fora somem da sua vista. é assim que nem coelhinho no cio, você só enxerga o seu parzinho. você bem gosta. te basta, te sacia e te lava, a alma! você perplexo percebe o poder que ele tem de provocar coisinhas em você. ei, concluam: o novo é atraente sim, mas e a vontade daquilo que você já conhece? é bem mais profundo! e a segurança? como é bom ter confiança de que você quer e você vai ter e creia-me, a euforia vai tomar conta de você, assim, sereno. um remedinho bálsamo na sua expectativa e na sua pele. apetito afecto entrega unión esmero voluntad pasión afición calenturas a flor de piel. dá uma chance, larga de ser arredio, deixa disso: preconceitos, experiências ruins, teorias, disse me disse... tenta querer um pouquinho, bancar, provar, deixar acontecer. vai  inteiro. e então, morra e viva! quem é que podia imaginar?

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Lost in Translation



- É cação.
- Não é não.
- Ah você entende de peixe agora?
- Cação não é.

Messias que cresceu entre barcos de pesca e o salão da casa de baile de seu pai, duvida da namorada urbanóide.

- Tem razão, é pescadinha.

Messias que nasceu vendo seu pai desenredando rede de pescaria de frente pro rio Caraíva, se surpreende com a sabedoria da namorada que sempre brincou dentro de apartamento, enquanto ela, mastigando a pescadinha com farinha de puba, ri dele maliciosamente.

- Ai meu Santo Antônio, amanhã é meu último dia. – suspira com os olhos cheios d´água. Ele sempre ri quando ela fala assim. Gosta de saber que ela quer voltar, ou melhor, alimenta suas esperanças de que breve ela volte pra ficar.

Pobre Messias! Não sabe que a moça que nasceu em maternidade particular e cresceu entre os muros altos de um condomínio, vendo o pai bater o martelo de causas impossíveis e que, por causa disso, o dinheiro não cabia mais debaixo dos colchões, nutria-se de outros sonhos.

Ela que viajara o mundo vendo o mar de cima, tinha planos bem distintos de Messias, que conhecia tudo das marés. Ele que só tem olhos pra ela, inocentemente. Ela que olha para outros lados, incansavelmente.

Encontros.

Desencontros.

Tantos mais desencontros essa vida.

*aquarela de sophie alves.

quinta-feira, 30 de setembro de 2010

na beira do rio





na penumbra do quarto de uma taberna,
ali, ao lado de aberrações vindas de todas as partes,
uma novidade a cada dia:
freds, barbies, hippies e jesuses.
cada qual com sua história, e os dois, à parte.
se bastavam?
unidos bem ao lado, mas ali dentro,
longe dos olhares deles,
mas participando de suas histórias,
ainda que não quisessem fazer parte delas.

12 dias em 11 noites bem e mal dormidas.
11 manhãs bem acompanhadas.
12 dias bem vividos.

ainda que o pão estivesse frio e o café ralo,
tinha cervejinha gelada e pinga na tampinha
antes de desfrutar dos saborosos bichinhos do mar.
ainda que polvo seja um bicho "escroto”,
como você costumava dizer,
ele saciava, era divino e farto.

ainda que fosse longo,
o caminho pr´aquela lagoa era deslumbrante.
ainda que a areia fosse suja,
tinha água doce e salgada ao mesmo tempo.
e mesmo que as ondas não fossem lá tão grandes,
era divertido brincar nelas.

ainda que fosse visível a exploração do trabalho infantil,
era notável a doçura dos indiozinhos.
ainda que os índios não se vistam de índios,
que a lama atole,
que o forró seja de um dia só,
tem dança de canoeiros,
acarajé e abacaxi com sal.
é possível escolher entre água verde e vermelha,
tem peixe na brasa, tem arco, tem flecha.
garrafas de champanhe no lugar de estrelinhas
e lençol na areia.

se surgiram bolinhas pelo corpo e azia matinal,
foram por excesso.
mesmo que não lavassem os lençóis,
que fizessem tanto barulho,
e talvez não fosse existir um outro quarto...
porque o que é bom deixa saudade.
e porque agora pode soar nostálgico
por ter ficado pra trás,
os 10 dias inteiros.

ainda que ao mesmo tempo,
você seja tão perfeito
e tão cheio de defeitos,

você é o melhor de tudo.



quinta-feira, 2 de setembro de 2010

la concha de tu madre





o século era quase o XXI, mas quando a filha quis saber o que significava a palavra ‘virgem’, a mãe arregalou o olho e disse rápido: pergunte ao seu pai. na TV passava "O último americano virgem", sessão da tarde. pai, o que é virgem? e a menina teve de ir buscar a resposta no Aurélio. aos 12 anos ficou menstruada. a mãe pediu à empregada que explicasse à menina o significado daquilo, pois causava-lhe tamanho desconforto tratar deste tema, a sexualidade. até hoje Conchita recorda-se da empregada dizendo: você agora está pronta para ter filhos, colega!


e foi sempre assim, o sexo como tabu. um horrendo, nojento e babento bicho-de-sete-cabeças.


a mãe dormia a sesta no cômodo ao lado, e ouvia, caladinha e cínica, a filha adolescente ao telefone. ela combinava com a amiga, sem sequer sonhar que a mãe escutava sua conversa, onde esconder os cigarros que levariam pra festa. não mencionavam a palavra cigarros, então a mãe, do alto de sua mente suja, interpretou que as meninas planejavam levar camisinhas pra festa! xiiii... rendeu!


e falando nisso, mesmo sem nenhuma informação, Conchita perdeu sua virgindade da forma correta: usando camisinha! doeu muito, mas também sentiu muito prazer. dor e prazer eram proporcionais ao tamanho do pecado que cometia, o pecar que ela adoraria bancar dali em diante! o namorado teen ficou com a blusa suja de sangue. era um risco tirá-la pois tinham de agir rápido. estavam na casa dela, na sua cama, posters do Tom Cruise e Rob Lowe na parede bem debaixo do nariz da mãe. esta tinha ido malhar, a empregada via a novela. o menino disse que ia misturar terra com o sangue da blusa, pra então dizer quando chegasse em casa: caí de skate. e ninguém desconfiar daquele ato monstruoso.


quando virou mulher, Conchita enviou uma carta pra Letônia, onde sua irmã fazia intercâmbio. queria compartilhar com ela a alegria daquele rito de passagem. ao mesmo tempo fez promessa que se não ficasse grávida (quanta inocência!) iria a três missas, que foi o maior sacrifício que pensou que pudera fazer naquele momento. no primeiro domingo, o padre discursava sobre a importância da submissão da esposa ao marido. neste dia, pediu perdão a Deus, pois seria absurdo como aquele sermão mais duas doses daquele veneno. nunca mais foi à missa.


o menino era brilhante, nerd não. inventou para aproximar-se dela que queria ajuda nas aulas de história: estarei na sua rua andando de skate e subo pra gente estudar. mas era ela quem descia pra ver suas manobras. os livros ficavam lá sobre a mesa, as páginas virando com o vento. não precisou de mais de duas aulas, já estavam namorando. coisa mais linda, sentavam-se lado a lado na sala de aula: Francisco, el Paco e Concepción, la Conchita.


e lá se foi o hímen da concha de Conchita! a sua pureza e a sua honra.


o tempo corre, a irmã volta com a carta pregada em seu diário, como uma doce recordação que a mãe descobre fácil em seus fuçares frequentes aos diários das filhas. conclui: a filha se perdera. o pai coloca todos os irmãos de castigo, para que sirva de exemplo, que nem a cabeça decapitada de Tiradentes no meio da praça. a caçula chora porque quer ir passear na vizinha, a irmã deflorada defende, o pai faz um comentário pra lá de machista, pra lá de duro, que ela recalca, não se lembra pra contar. a mãe a acorda, quer saber o endereço do menino que a desvirginara. queria ir lá com o marido conversar com seus pais. ia obrigá-los a se casar. tanto o absurdo que a menina desmente: nunca aconteceu nada disso, mamãe, só queria ver sua reação. no rosto emocionado da mãe descem lágrimas, está lívida, abraça a filha contentíssima.


a mãe leva a filha ao médico. a menina mente pra velhota rata de igreja. diz com cara lavada: sou virgem. a bruxa a examina, acha estranho, pergunta de novo, ela afirma de novo: nunca transei. a malvada insiste: você sabe o que é transar? sei. e depois só se lembra da mulher contando-lhe uma história sobre carros que passam na frente de bois.


à noite, em casa, pai, mãe e filhos saem pra comer pizza. o motivo? comemorar!


and the Oscar goes to...




quarta-feira, 18 de agosto de 2010

casinho



sempre que viajava, comprava-lhe presentes que não tinha coragem de dar. o destino acabava sendo sempre o mesmo: seu estômago ou alergias que lhe estouravam na pele. psicossomático.

há algum tempo queria conversar com ele. fazia-lhe falta não um rótulo pr´aquilo tudo, mas porque ela, Clara, era a própria fritação personificada. desde pequena sempre queria saber o porquê de todas as coisas.

estava aflita. não queria o mundo aos seus pés, não era para tanto! mas qualquer lugar que não fosse ali, aquela relação entalada como um sapo na sua garganta.

estava no planetário de Éder Santos quando o telefone tocou . era ele. mas agora, sem chances de atender.

subiu ao 2º andar para ver o restante da exposição do artista mineiro. era tão incrível, ficou tão imersa, que não se lembrou do menino.

era um prédio antigo no centro histórico. subiu para ver outra exposição. foi pelo elevador, que valia uma visita. uma vez no 3º andar, não achou a menor graça naqueles espelhos que refletiam seu corpo distorcido, revelando o desconforme de suas formas. já chegava a alma!

subiu ao 4º andar pelas escadas, escadas imponentes, para ver a exposição permanente. nada lhe acrescentou, somente os filminhos lhe divertiram um pouco. cinéfila!

ele insiste e o telefone toca novamente. mas que hora para telefonar! quer falar um monte, mas agora não dá mesmo. ainda tinha a biblioteca para conhecer, no 5º e último andar. nos corredores encontra bancos sóbrios, de madeira maciça da época do império que parecem querer abraçá-la. senta-se neles para retornar a ligação. tira os sapatos e pousa, confortavelmente, seus pezinhos  sobre o felpudo do tapete.

o telefone mal toca e ele diz num assalto:

- Clara, você queria conversar, não é?

- eu quero. vamos nos encontrar? eu tô aqui no...

- não, vamos resolver isso logo. o que você está querendo?

- fala você primeiro.

ela se ajeita, ajusta o casaco como se para segurar-se em alguma coisa, ficar em ordem. não esperava por essa assim no meio da tarde, por pouco no meio da rua. faz-se de sonsa, diz com borboletas no estômago:

- pode falar. estou escutando.

- eu tenho uma proposta...  a gente pode se encontrar às vezes, assim sem obrigações. continuar desse jeito, gostoso, leve como está. podemos nos ver duas vezes por mês, mas jamais dois dias seguidos. sem maiores preocupações. a gente pode ter um casinho. é permitido ligar de madrugada, sem análises. podemos atender ou não, ir ou não. sem constrangimentos. viajar juntos, jamais! podemos nos encontrar na sua casa ou na minha, sem pudores. podemos nos comunicar a qualquer hora, sem cerimônias.

pausa. é quase uma brutalidade. tonteia com tanta regra!

- alô? Clara?

mas é muito cara-de-pau - pensa puta da vida. ele não me conhece mesmo esse esse... energúmeno! esbraveja docemente:

- você devia ter vergonha de me propor um trem desses! se pelo menos me propusesse um c-a-s-o! mas um c-a-s-i-n-h-o?

e desliga após ordenar que ele não lhe telefone nunca mais. nunca mais, entendeu?

...

pega o metrô na Cinelândia e no trajeto para casa vai tentando achar argumentos para não aceitar a proposta do casinho. ela sempre foi de pensar muito e agora tinha motivos de sobra para uma reflexão bem fundamentada. mas não, não consegue achar nenhum argumento contra.

chega em casa afobada, abre o guarda-chuva na varandinha, lança a bolsa na poltrona, os sapatos pro teto. se atira como uma manga madura em seu sofá de capa de chita e liga pra ele:

- Selton, a proposta ainda está de pé?
 

(foto: Carmem Maura em cena do filme 'Mulheres à beira de um ataque de nervos', de Pedro Almodóvar)

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

ah!


ô abre alas que eu quero passar.

do leme ao pontal chegou a turma do funil, todo mundo bebe mas ninguém dorme no ponto. ai ai nós é que bebemos e eles que ficam tontos.

havia uma abelhinha, um carioca e um green alguma coisa. uma abelhinha tem antenas, um malandro carioca usa chapéu. o outro, improvisou uma peruca verde na hora. e dá-lhe cachaça. afinal pode me faltar tudo na vida, feijão, arroz e pão, mas a danada da cachaça não.

e até a cachaça mineira estava fantasiada de busca vida e presente no boitatá, no songoro (ver vídeo), no a rocha, no me beija que eu sou cineasta, no me enterra na quarta, bangalafumenga, rio maracatu, vagalume, no empolga, azeitona, me esquece!

dá-lhe!

ai ai, me imprensa que eu gamo este carnaval!

o da peruca agora tinha antenas, a abelhinha, chapéu, e o malandro uma peruca verde. a peruca verde era referência pra se achar. também as flechas do cupido, a pose de bailarina e ah! o leque.

ah se meu leque falasse!!

a gente sempre se achava. et, hebe, emílias, retratistas, che, amys, nerds, brigite bardot, cineastas, marley e eu.

quer saber? a gente tá se achando até hoje.

o carnaval vai tá bom? avatar, - diziam. vivemos!

avatares, trepadeiras, oncinhas, a cabelereira do zezé (corta o cabelo dele, corta o cabelo dele), mangueirenses, flinstones, chaves, panetones... sassaricando, o brotinho, a viúva e a madame.

essa vida é um nó. me dá me dá me dá ô, um dinheiro aí. xiii, que isso? carnaval ninguém pensa nisso não, sô. mas em bh, notícia fresca, já estão mexendo os pauzinhos para um carnaval politizado. aguardem!

porque agora o da peruca usa chapéu, a abelhinha, peruca verde e o malandro tem anteninhas. as trepadeiras estão trepadas em todos os lugares altos que vc vê: aqui, ali, acolá. 

allah-la-ô ô ô mas que calor ôôô o leque virou mascote, apetrecho, adereço, queridinho e utilidade pública do bloco do 104. ah se meu leque falasse foi nosso melhor fetiche do carnaval 41,8 graus.

ave, calorsh!

 ice, ice, ice, ice, ice, ice!! mande água pra iaiá mande água pra iôiô.

sede, água na boca, beijo na boca, samba no pé. muita cervejinha, muita água, muita guerra de metralhadora, muito xixi. mas xixi este ano não pode não. o tempo esquentou. as águas vão rolar. garrafa cheia eu não quero ver sobrar eu passo a mão na saca, saca, saca-rolha.

saiu na revista: "depois da operação lei seca, a operação rua seca. detidos 302 foliões.... a cidade bateu o recorde de visitantes durante o carnaval e tb do calor... foram 465 blocos." índio quer apito. estivemos presentes em 18 "broco" e ninguém flagrou nossos 4 xixi debaixo do viaduto.

despertador comeu solto e foram vários cafés da manhã fantasiados já bem cedinho. pra num belo dia, no meio do deserto do saara a van esperar. o green foi atrás de um chapéu - ótimo motivo, homem de chapéu, acho-te uma graça. e mais tarde a turma teve que esperar, todo mundo queria passar debaixo da mangueira. xué xuá.

quem não chora não mama segura meu bem a chupeta lugar quente é na cama ou então no bola preta.  nota 15 pro chofer da van de santê e pro bin do bus. me joga na parede, me metralha no paredão!!

respira!

esqueminha:
prés: me deixa sambar, me solta que eu vou. fui! fomos antes da largada!
sábado e domingo: fevereiro enfeitiçou. nada de enfeites guardados, fantasia pendurada.
2ªfeira: se a canoa não virar olê olê olá eu chego lá
3ªfeira: meu coração amanheceu pegando fogo, fogo, fogo
4ªfeira: dor no corpo, na batata da perna. rouquidão, desidratação. dor de barriga, pele tostada. o pulso ainda pulsa. ah se pulsa! porque quem é fraco se arrebenta, quem é forte, vai sambar.
pós: em yellow macaé (foto) peter parkson (sim, parkson) toca bêbado de enchillada alfafa (sim, a-l-f-a-f-a) no maracatu. que filme é esse?

as cadeiras me doem doem... doem.
de tanto sambar
mas o samba está bom e eu não posso parar
meu amor não se incomoda,
gosta de me ver sambar
quando estou dentro da roda
pede até pra eu ficar.
as cadeiras, as cadeiras...
meu sapato está furado,
minha roupa está suada.
tenho o corpo já cansado,
mas não deixo a batucada.

não me canso de repetir e acreditar nisso: quando a turma é boa, qualquer evento vira o melhor de todos. nada mais motivante do que o bloco do 104 no nosso carnaval rio 2010 que agora eu relembro.
até o próximo que terá cenário diferente, será frevo e maracatu!


quarta-feira, 28 de julho de 2010

formigamento



esta semana faço um ano no rio de janeiro!!!
um ano feliz no rio de janeiro.
e há um ano eu estava exatamente assim:

rio, 27 de julho de 2009

ontem aterrizei na cidade maravilhosa. aos prantos!! resisti bravamente em caraiva mas no avião, escutando os forrozinhos do pelé que o leôncio gravou pra mim,
d
e
s
a
b
e
i
.
devo ser sádica, só pode! vir escutando ‘triângulo caraíva’ no avião pra chorar junto com a sanfona. e cheguei na casa dos meus tios desaguando como se alguém tivesse morrido. e de fato é um luto. uma perda que terei que elaborar!! e conviver com um coração que de agora em diante vai cantar bahia que não me sai do pensamento.

chegando na rua sambaiba, minha tia ju me recebeu com uma mesa linda, flores e um jantar maravilhoso. meu tio raul logo me deu um celular com chip e 100 minutos grátis que estreei imediatamente usando DDD 73. que bálsamo foi poder falar na terrinha! e pra completar, eles ainda me prepararam uma banheira com sais de banho. muito fofos! deu vontade de ficar na casa deles pra sempre! mas logo logo terei residência fixa em copa, aguardem!!

hoje foi meu 1ºdia de trabalho e meu despertador não tocou (freud explica?), mas acordei a tempo (mas não desesperada, afinal aprendi a ser mais calma em caraiva) de comer queijinho minas no café da manhã e acertar em cheio no ônibus pro escritório. não tinha roupa nem sapato, não deu tempo de ir em BH buscar, assim que fui trajada com modelito-silvinha-dos-pés-à-cabeça. foi muito tempo usando só hawainas, mas confesso que a-d-o-r-e-i vestir calça comprida pra variar e poder passar um batom vermelho sem ninguém achar esquisito. fiquei ligeiramente medrosa pra atravessar rua. desacostumada e pronta para viver de novo o diferente.

a menina que vou substituir está me treinando perfeitamente. ela é bem estressada, percebe-se, mas suuuuper organizada. meu chefe é um amor, mas também parece uma bomba relógio prestes a explodir em ambiente estímulo-resposta. pessoas constantemente nervosas deve ser sinal de quem sempre viveu em cidade grande e ainda não se perguntou: 'pressa de?' por isso, no mural da minha sala tem o telefone do hospital pró-cardíaco, para emergências.

do escritório eu vejo o mar de copacabana, mas quer saber? me desculpem, mas mar de cidade grande não é mar de verdade!! e de repente, vendo todos aqueles prédios, me deu falta de sol!! no horário de almoço corri na manicure (estava precisando!) e achei estranhíssimo todo mundo falando carioca. e achei o máximo (ou diferente) entrar no supermercado achando que era um shopping! e no corredor do escritório, logo ali na saída da minha sala, tem um quadro da bahia que tenho certeza, vai ser minha luz neste começo, recomeço.

"pra te morder e pra soprar, afim de que não te doa demais,
já que tenho que te doer, meu amor"
C. Lispector

peço champanhe ou cianureto? o coração da gente é assim mesmo, meio montanha-russa.

quarta-feira, 14 de julho de 2010

paquera ou palavras ao vento elétrico dos bits:



"no amor, o mais profundo é a pele"
paul valéry

A: prefiro a metáfora do maracujá doce (lambuze-se antes que murche!) do que a comparação vazio-falta.
B: prefiro metonímias, à parte pelo todo.
A: prefiro acreditar que a falta nos move
B: prefiro acreditar que minhas pernas me movem.
A: e tranquilizar-me sabendo que a completude só com a morte.
B: e tranquilizar-me com a plenitude do vazio e a falta de pensamento.
A: prefiro o real (ele existe?) ao virtual (ele existe), ainda que este seja uma saída.
B: prefiro o real instante que me escapa e o virtual seu espelho.
A: prefiro a emoção ao superficial.
B: prefiro a emoção na superfície da pele.
A: gosto da ideia do eterno enquanto dure,
B: gosto de enterrar a ideia de eterno no duro chão da terra,
A: ainda que efêmero, mas traspassado pelos tais cinco sentidos,
B: ainda que enterrada, iluminar o infinito de todos os sentires,
A: assim à flor da pele.
B: assim como uma flor que nasce.

nesse vazio cabe apenas o silêncio:
"a primeira coisa que existiu".
não falta nada.
está tudo aqui.

A: o silêncio é uma virtude.
B: o silêncio é uma atitude.
B: mais um beijo virtual/real.
A: beijo real (prefiro).


palavras ao vento elétrico dos bits.


(pintura: os amantes, de rené magritte)