sempre que estou num andar alto e escuto lá de baixo o barulho abafado dos carros e dos ônibus circulando, por mais estranho que isso possa soar, sinto uma sensação deliciosa! durante a minha infância e pré-adolescência, a minha avó Marietta morou no 7º andar de um edifício no centro de BH. ali na rua da Bahia com Tupinambás eu dormia alguns finais de semana numa cama que de tão cômoda parecia me abraçar. a cama dela, naquele quarto de chão acarpetado que tinha o cheiro de seus perfumes e cremes. eu acordava e escutava o barulho vindo de longe da cidade acontecendo, olhava pro lado e minha avó não estava mais lá. então vinha o eco da cozinha, um tinir de copos e talheres.
vovó nunca soube gritar, chama as pessoas devagarinho. é a mulher mais delicada que já conheci. quando tem alguém dormindo, fecha a porta de mansinho, sai pé ante pé. o sono na casa dela é de bela adormecida.
eu me levantava de pijama azul estampado com nuvens rosas e a encontrava pomposa na cozinha retirando do engradado as garrafinhas de guaraná antártica pro lanche. de almoço, a especialidade dela, strogonoff de frango e pé-de-moleque de sobremesa. de tarde, a melhor parte: seu biscoito de polvilho.
eu ficava brincando com minhas panelinhas de plástico ouvindo Turma da Xuxa enquanto ela conferia, sentada na cama, os extratos das poupanças da Caixa. na TV, Sílvio Santos mandava abrir a porta da esperança.
a vida toda vaidosa. deu cedo pras filhas um batom vermelho para que jamais sorrissem amarelo. as meninas impecáveis, quando iam trabalhar alisavam os cabelos com o ferro de passar roupa e deixavam na véspera os vestidos dormirem embaixo do colchão. saíam sem um amassado diante do fã clube de moços que queriam se casar. o filho homem também era um brotinho cobiçado, como diziam naquela época.
os armários repletos de roupas, maquiagens, laquê pro cabelo. sempre muito, muito elegante. a vida inteira ouvindo elogios por onde passava, a mais charmosa do trabalho, do bairro. até a médica geriatra se encanta por ela, elogia sua feminilidade, seu capricho. avó extremamente carinhosa e acolhedora, mulher valente, íntegra, apaixonada, dinâmica, criou os quatro filhos sozinha devido a um marido ausente, trabalhou fora numa época em que isso não era fato corrente. jogava volley e adorava tango. por causa disso ainda conserva um belo par de pernas estonteantes.
estou aqui de frente pra Liz Taylor que é a capa de revista esta semana. e penso que minha avó, se a Hollywood pertencesse, estamparia plena qualquer revista. ela, a diva Marietta!