(com a contribuição da Amanda Machado)
Minhas avós foram duas, a materna e a paterna. Parece óbvio, mas é que não tive avôs. E o que tive foi avô-padrasto, no melhor sentido que esta palavra possa carregar! Minhas avós foram duas
mulheres admiráveis e extraordinárias: a Marietta, com dois tês, e a Consuelo,
que traduzindo do espanhol, embora a origem dela fosse portuguesa, significa
‘consolo’.
Não me lembro de ser consolada por minha avó
Consuelo. Ela estava sempre chamando minha atenção: "Minha filha, senta direito!", "Carolina, não dá para estudar ouvindo música!". Só que ela fazia o melhor bife do mundo e hoje eu gostaria de
recuperar todos seus vestidos e seus sapatos, que na época, não me dava conta,
como eram lindos em toda sua simplicidade. Eu também não me dei conta da mulher
forte que era enquanto estava viva e eu era uma adolescente boba e
fútil. Vovó Consuelo contava sempre as mesmas piadas que eu não aguentava mais
ouvir e nos pegava de papo sem fim no intervalo de um filme na TV. Aprendi com
ela que “s” só se usa em quem tem cara e dente na frente, para os outros
substantivos, era “z”. Que beleza! Minha avó paterna nunca teve vida de
princesa. Talvez na infância em Leopoldina entre tantos irmãos queridos. Pois
se casou com um homem que não a merecia, mas que lhe proporcionou quatro amados
varões: José Nelson, Luiz Fernando, Cláudio e Pedro Ângelo. Só meu pai não ganhou
nome composto e já me esqueci por quê. Desde pequena eu achava que não tinha
avôs, mas eles só foram morrer quando eu já estava crescida. Não os conheci e não
tive vontade de fazê-lo quando soube. Minhas avós eram tão completas que bastavam elas. Consuelo, nascida em 1913, e Marietta, que veio ao mundo em 1918, ousaram divorciar-se numa época onde isso era inadmissível.
E criaram, cada uma, seus quatro filhos, sendo muito bem-sucedidas no ofício. Consuelo o fez lecionando português. Em Governador Valadares se
formou professora e lá trabalhou na mesma escola Ibituruna até aposentar-se. Foi
uma das professoras mais queridas e brincalhonas, fato que percebi quando ela cruzava
com ex-alunos na rua que não paravam de elogiá-la. Ela também inventou de
consertar bicicletas na garagem de sua casa para incrementar a renda. Bravo! Tinha
mania de rezar o credo em nossas costas e fazer novenas. Sua casa era a mais
quente e nos natais passávamos as madrugadas insones, esmagando pernilongos com
os travesseiros. Mas adorávamos aquela casa, os copos brilhando na cristaleira, as
romãzeiras carregadas do jardim e a massa de rosca crescendo ao sol. Foi no quarto dela onde me vi
no espelho da cabeceira, com meu primeiro sutiã e de absorvente, admirada pela
mulher que eu achei que já era. Eu acabava de fazer 13 anos! Ela dividia o quarto com uma casa de marimbondos pregada na parede, e mesmo tão fresquinha, eu
não tinha nenhum medo daquela presença selvagem. Era mais um apetrecho fazendo
parte daquele universo cheio de graça.
D. Consuelo tinha saúde de ferro e foi lúcida e ágil até o fim. Gabava-se por nunca ter tido dor de cabeça ou precisar usar óculos no alto de suas 87 primaveras, fato comprovado quando fazia palavras cruzadas. Baixinha, tinha os cabelos brancos mais brilhantes que se pode imaginar, e pálidos, mas vívidos, olhos azuis.
Minhas avós bancaram um “eu quero” numa era onde era mais cabível um “não devo”. Foram genuínas e guerreiras. Espero reconhecer em mim algo da pureza delas. Pois como eu disse, uma adolescente tola e inapta eu era. Que bom que o tempo passa. Mas não volta, pois se assim fosse, passaria mais tempo com minha avó ouvindo a riqueza que ela própria desconhecia ter, de sua trajetória e conquistas. Como o caso daquele célebre e engenhoso fazendeiro, conterrâneo seu, que teve a brilhante ideia de enxertar uma manga num mamão. Sabe no quê deu? Numa banana pra você que acreditou! :)
Vovó Consuelo tinha gostinho de quero mais!
(Sobre minha outra
avó, a Marietta, já escrevi aqui:
Uma musiquinha pra ela:
https://www.youtube.com/watch?v=k-ErnX6LCNI