terça-feira, 15 de setembro de 2009

um capítulo: aniversário de canoeiro


caraíva, 8 de abril de 2009:

eis que se aproxima um bêbado, cena infelizmente freqüente no cenário daqui, com uma garrafinha de água mineral. só a embalagem, com a cachaça pela metade, ele diz: “deixei minha cachaça ali encima daquela mesa e beberam metade. alguém pode me dar um trocado pra eu completar a garrafa??” ele não merece o cannes da originalidade? esse caso aconteceu com o andré, morador daqui, mas além desses surtos de criatividade, o xuré, que é esse índio bêbado e baixinho, sempre sorrindo, com os dentes pelas metades e 17 filhos, também faz bizarrices asquerosas quando o assunto é álcool. aqui raramente surge um besouro bem grande e cascudo que voa baixo de tão pesado. eu dou chilique quando ele aparece porque ele é bem feio, exagerado. uma vez o xuré pegou um, amassou bem e comeu. dias atrás cada casa que eu passava, observava curiosa sempre alguém jogando colherinhas de sal nas plantas. até descobrir que era por causa da praga dos caramujos. outro dia tinham uns 4 enrolados numa suruba sei lá, na varandinha do meu quarto. não é maldade, porque é uma praga, e vai sal neles. já era tarde, um silêncio danado e pude escutar o barulhinho de coisa fritando, deles derretendo em menos de 5 segundos com o sal: tisssssssssssss. o xuré também já comeu caramujo apostando pra ganhar cachaça. eu nem consigo escrever isso sem fazer careta. ui!

depois do verão meus meses prediletos em caraiva são março e abril. é curioso morar e trabalhar num lugar (pousada de dia, bar de noite e tudo ao mesmo tempo) que está sempre com a porta aberta e a qualquer hora uma surpresa. por causa disso é difícil a gente se entediar, toda noite a gente se apronta pra sair, ou arruma a casa como se pra receber os amigos. esses meses são repletos de personagens interessantes e novos, como sempre, já que estamos falando de um cais ou de um porto, onde as pessoas vêm e vão. o diferente é que agora a gente tem tempo de conversar, conhecê-los. além disso, os personagens daqui ficam mais em evidência e alguns deles, tornam-se bem próximos. eu já sabia disso, mas pra silvinha (socó), minha nova companheira de trabalho e amada amiga, é tudo novidade. mas eu continuo encantada até hoje. nessa época que não tem nada pra fazer, além do lagoa todo dia funcionando normalmente e do forró no pelé que só tem aos sábados, a gente topa tudo. qualquer convite é uma festa imperdível. a gente nunca falta. é chamar que eu vou, que todo mundo vai. pra ser feliz aqui tem que exercitar e curtir a sociabilidade, senão fica tudo sem graça. mesmo se não está muito afim, vai, porque é diversão garantida, nem que seja só pra olhar.
sexta passada foi a festa do aniversário dos canoeiros. os canoeiros são peça primordial aqui. são eles quem proporcionam o primeiro bom impacto pra quem chega em caraíva. de carro ou de ônibus, a pessoa começa a desacelerar quando vê o rio e desacelera de vez quando o atravessa no sossego da canoinha. assim sem barulho de motor, canoeiro zingando, quase uma dança junto com o espetáculo da água verde daquele rio enorme. suspiros... ali é onde começa a transformação. ficaram uma semana fazendo uma vaquinha pra festa, todo mundo contribuiu. seria não sei quantos bois e cerveja numa festa durante o dia, na biblioteca. na biblioteca?? é, na biblioteca. silvinha me chamou, eu meio em dúvida se já ia cedo assim. no caminho escutei que estava tendo aula de capoeira das crianças e quis entrar. silvinha não deixou: “vamos logo pra festa!” e chegamos na biblioteca. de longe escutava-se o arrocha e entrando lá 15 homens por m2! aqui em caraíva a maioria da população é masculina, tadinho dos meninos! não tinha mais lugar pra sentar, mas os cavalheiros imediatamente deram suas cadeiras pra gente e ao mesmo tempo surgiram umas 5 garrafas de cerveja ao nosso redor. momento rainhas, até quase acabar, com pessoas que eu adoro!!
a mais nova mania agora é andar de caiaque, em dias de mar calmo, dá até pra ir aos recifes, onde se pesca polvo e pega ouriço. e ver de perto tartarugas aos montes. quando é no rio, enveredar nos braços dele, nos caminhos estreitos por entre o mangue, e soltar as bruxas dando uns gritos de susto quando olha pra cima e os carangueijos estão no alto dos galhos, bem encima da sua cabeça. nessa selva, também outro dia estava pensando que se der vontade de ver alguém, você tem que fazer telepatia, porque celular não funciona e mandar mensagem nem pensar!! a única utilidade dele é servir de despertador pra te acordar às 5:30h da manhã em dia de ir pra rua (lê-se porto seguro). e quando tem chuva, nem ônibus tem. ficamos literalmente ilhados, deliciosamente isolados, já imaginou?
(aquarela de sophie alves - a barra de caraíva)