"Pode-se até começar a sentirse chez-soi, 'em casa', em qualquer lugar,
mas o preço que se paga é a aceitação de que em lugar algum
se vai estar total e plenamente em casa. (...)
As 'identidades' flutuam no ar."
mas o preço que se paga é a aceitação de que em lugar algum
se vai estar total e plenamente em casa. (...)
As 'identidades' flutuam no ar."
Zygmunt Bauman
sociólogo nascido na Polônia e naturalizado britânico.
Tradução minha de um texto de Andrés Neuman*:
El país de la espera: la otra cara de los aeropuertos
Vó Rosa nasceu na Espanha. Cresceu durante a República e se exilou quando acabou a guerra. Na Argentina teve outra vida, outra família e muitos netos. Lá, Rosa perdeu suas raízes, ou ganhou novas, ou ambas coisas. Foi feliz e infeliz, conheceu democracias e ditaduras, fartura e miséria. A Argentina, em síntese, pareceu transformar-se em seu destino. Mas depois de ficar viúva, Rosa quis voltar à Espanha para encontrar sua irmã, que permanecera em seu país natal. A irmã espanhola a recebeu desejosa de inaugurar de novo o tempo. O reencontro trouxe emoções, surpresas e conversas durante todo o ano. Neste período, a família argentina de Rosa não deixou de telefonar pedindo seu regresso. Voltar como, se acabo de voltar?- pensava ela ao escutar a voz dos filhos do outro lado da linha, enquanto olhava para as rugas da irmã mais nova.
Com o passar dos meses, Vó Rosa começou a hesitar. Recuperara a irmã e os lugares da infância, mas sentia saudade dos outros parentes, suas outras ruas. Após numerosos telefonemas, Rosa acabou aceitando as passagens de avião que lhe deram. Arrumou novamente as malas e, uma tarde, se dirigiu ao aeroporto de Málaga para voar à Argentina. Na manhã seguinte, sua família ligou para a Espanha preocupada. Cadê a vovó? Seu avião havia pousado sem ela a bordo. Sua irmã não sabia de nada. Rosa não havia voltado nem telefonado.
Às pressas, sua irmã pegou um táxi ao aeroporto para perguntar por ela. Logo em seguida, a encontrou sentada em uma destas salas de espera, quietinha, olhando de forma ausente os painéis dos voos. Vendo mudar os lugares, os horários, as companhias. Estava assim o dia inteiro. Havia perdido o avião e os seguintes. Não tinha trocado de roupa. Parecia tranquila.
Quando Vó Rosa pousou finalmente em Buenos Aires, seus familiares atribuíram seu comportamento à senilidade que, por momentos, dava indícios nela. Eu prefiro pensar que Rosa teve um insuportável acesso de lucidez. Que passou 24 horas refletindo de frente para o painel dos destinos, meditando quem era e de que lado estava, no único lugar do mundo onde não se está em nenhuma parte: o aeroporto. Quero pensar que Rosa, antes de voltar para seus netos, averiguou para quê serviam as esperas, o estado de trânsito e os passarinhos que voavam no telhado.
* Andrés Neuman nasceu em 1977 em Buenos Aires onde passou sua infância. Hoje vive em Granada, sul da Espanha, em cuja universidade foi professor de Literatura hispano-americana. Recebeu vários prêmios e esteve mês pasado no FLIP , a Feira Literária de Paraty. Sou fã dele e acho lindíssimo este texto!! Parecido com este tema, há o filme de 2001, "Herencia", da argentina Paula Hernández.
muito bom esse filme Herência!! Já Andrés Neuman, vou procurar conhecer... beijão e obrigado por aguçar minha curiosiade!
ResponderExcluirBenégas
amei como sempre, deemocionar amiga! saudades!
ResponderExcluirbeijos, lulu
Que texto lindo! Tão sensível, delicado..
ResponderExcluirVou procurar este filme!
Beijos!
Beth
Muy lindo el texto, y muy agradable la lectura de la traducción. Cariños
ResponderExcluirProfundo, cheio de raiz, de força..de vida, obrigada por compartir IDENTIDADE. beijossssss e parabéns
ResponderExcluirCarolina, amei! Este texto me fez relembrar como me sentí numa fase da minha vida....
ResponderExcluirTia Maria Helena
Carol, gostei e me sentí identificado; e também com a cita do Polaco-Inglés, que resume o que estou sentindo ha mais de 11 anos viajando. Acho que vou roubar e colar no FB :D
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