Maja Desnuda e Maja Vestida, de Goya. |
Prefácio
Salamalico é oi em árabe. Já que eu sou troligota, trogodlota, troglodita poliglota. Ah, quem me dera! Talvez se eu ganhasse uma volta ao mundo, sairia aprendendo vários idiomas em seus respectivos países, tudo que é língua, todas as línguas, línguas de gata. Seria minha viagem dos sonhos. Enquanto isso devo me contentar com ir refinando gírias na cubana ‘Generación Y’ e escutando os idiomas ríspidos e ao mesmo tempo tão familiares na delicadeza de Abas Kiarostami. Ser una trotamundos otra vez, um desejo! Pode ser pura aflição: o melhor lugar é onde a gente não está, ouvi uma vez e soou tão histérico. Não quero parecer histérica. Os tempos são outros pra mim, era só uma vontade inquieta, às vezes extraordinária, às vezes dolorida. Enquanto encho a cabeça de devaneios me resta imitar as boquinhas em Jackes Tati, tentando aprender a pronunciar de uma vez por todas o “u” em francês. Essa coceirinha de sair por aí trotando mundos que frequentemente me acometia, agora não mais, não neste momento, é o que os existencialistas chamam da falta – imprescindível – que nos move. Entre uma pausa e outra, quando esse frenesi descansa, o jeito é ir percebendo a curiosa entonação dos chineses nos filmes de Wong Kar Wai. “Quem tem alma não tem calma”, já dizia Fernando Pessoa.
One, two, three, four! Eu peguei a palheta de Joey Ramone. Hey ho, let´s go!
Quando criança queria ser trapezista ou astronauta, mas se meus pais tivessem me observado bem e dado um palpite pro vestibular, veriam que minha vocação era pra professora, tradutora ou jornalista. Tava na cara, mas eu crua àquela época não percebi.
O tomo 1 da trilogia “1Q84” é meu livro preferido. “A Elegância do Ouriço” me fez chorar, “Palmeras en la Nieve”, que ainda não tem em português, foi o livro que mais rápido li e “Corazón tan Blanco” me fez mudar de ponto de vista. Às vezes não damos conta de ouvir a verdade do outro. "Nueve Lunas" na gravidez, “Crime e Castigo”… são tantos! Nunca li o mesmo livro duas vezes, mas já senti vontade de reler alguns da escola, “O Apanhador no Campo do Centeio”, “Metamorfose”, "Madame Bovary"... Mas como sempre, compro mais livros do que sou capaz de ler e não satisfeita, ainda tenho colada na geladeira uma wishlist . Sabe mulher que fica louca numa loja de sapatos? Eu enlouqueço numa livraria ou no sacolão (hortifruti em carioquês). Idem no cinema. Fui 2x ver “Relatos Selvagens”, a primeira sozinha e depois com meu crush, porque queria que ele me amasse pra sempre por não ter perdido essa pérola do cinema argentino contemporâneo, ah, eu vibrei! E “O Paciente Inglês” 3x, porque eu devia ser à toa naquele tempo e porque o Ralph Fiennes, mesmo aparentando ter o dobro da minha idade, me pareceu um homem extremamente atraente. Ah, e também porque não havia muita oferta em Belo Horizonte. Na TV, “Pontes de Madson” algumas vezes, porque a gente vive com a Meryl Streep a paixão forte que ela topou encarar nos quatro dias mais emocionantes da vida sem graça dela. A protagonista, pra enxergar o marido, precisou ter um amante, um amante que durou quatro dias. Além disso, a meu ver, “Pontes de Madson” tem uma das cenas mais sensuais, delicadas e cheia de significado, que é quando ela está imersa na banheira da casa dela, a mesma onde ele acabou de tomar banho. E ela se dá conta disso à flor da pele. Acho bonito de morrer! Me atraem também roteiros recheados das mazelas da vida e filmes com personagens solitários, “Medianeras", meu favorito.
Gosto do meu nome, nunca desgostei dele mesmo sendo o da moda na minha geração. Minha mãe diz que era pra eu me chamar Cristiane ou Natália porque nasci no Natal, porém como ela sempre pede opinião pra todo mundo mas faz o que quer, me batizou Carolina. Carol pra maioria, Cacá pro meu pai, Cake pra uns primos, Coralina pra umas amigas, Cá pros paulistanos, Caro em español e Carolinda no meu curso de escrita criativa.
Se eu tivesse uma filha, se chamaria Violeta. E se eu tivesse outra gata, seria Fermina, como a personagem de “O Amor nos Tempos do Cólera” ou Gala, como a mulher-musa de Salvador Dalí. Falando nos felinos, sempre sonhei ter gatos e adotei um casal na primeira oportunidade que tive. Logo fomos adotados por meu querido marido, que queria mesmo um cachorro. O nome dos bichanos? Bahia e Dolores. Adoro a língua espanhola, adoro Almodóvar e suas cores, na outra encarnação fui las majas de Goya. Adoraria voltar no tempo para vê-lo pintando-as, pintando-me, la vestida y la desnuda.
Mas o que eu queria mesmo era que aparecesse na minha frente uma lâmpada de Alladin pra poder fazer realizar assim fácil três desejos, porém se fosse Deus quem aparecesse eu perguntaria: Quem é você e o que você faz?
Uma das coisas que ao mesmo tempo me entedia e acalma é rotina, mesmo assim o mundo poderia viver em Primavera. Por isso tive vontade de morar em Medellín quando passeei por lá, a metrópole paisa tem um clima tão gostoso que é conhecida como a cidade da eterna primavera. Se o paraíso existe ele é ensolarado, tem horário de verão e o clima de Medellín.
A última vez que chorei foi de alegria ao dar à luz e a penúltima poderia ter sido de tristeza se eu não tivesse segurado o choro. Senti uma frustração doída no caminho pra cesárea, quando eu acreditava piamente ter parto normal. Se eu voltasse no tempo, reviveria o momento do parto, mesmo sendo cesariano, não importa, a boca do gol, porque quase perdi a emoção de ver pela primeira vez a carinha do meu bebê tamanho pavor e frustração que me afligia. Graças ao pai, deu tempo, porque minutos antes do Felipe nascer, comentei que estava com medo, e ele, exalando adrenalina, disse: ‘Calma, daqui a pouco você vai ouvir o chorinho do nosso filho’.
Epílogo
Sou uma farsa, uma pipa voada, uma florzinha.
Nem sou tão fã de Gilberto Gil, dessa linhagem prefiro o Caetano ou as composições do Chico, mas acho que a trilha sonora pra tudo isso que acabei de contar através de meus dedinhos impetuosos, seria a canção de sua autoria, “Super-Homem”. Porque sim. Enchantée!
Este texto é fruto do curso de escrita criativa Terapia da Palavra