– Faz muito tempo que você tá aqui? - pergunta a
novata.
– Acabou de chegar, boneca? - não responde a
interna, devolvendo a pergunta.
– É, eu vim de ambulância. Não tô entendendo
direito.
– Quem é seu médico? - apura a interna de
argolas nas orelhas.
– Médico?
– É, bonita, todos aqui têm um médico. Isso é um
hospital - informa a interna de argolas nas orelhas, algo que
destoa.
– Ah! - e olha ao redor a recém-chegada ainda com a
boca aberta no a.
– Psiquiátrico - completa a interna de argolas
nas orelhas, a única ali que parece usar assessórios.
– Hum, ele deve estar numa sala de cirurgia agora.
– Sala de eletrochoque você quer dizer – corrige a
veterana supondo que a moça tenha chegado acompanhada.
– Não, numa mesa cirúrgica mesmo. Eu afundei um
abre-cartas na mão do médico.
– O quê? – pergunta pasma a dos brincos.
–Não queria vir, estava muito nervosa, me obrigaram,
arrastaram-me pelos cabelos. Quando puxei sua mão também arrebentei a pulseira do relógio dele.
Coitado! - fala para si.
– E quem te trouxe? – puxa-a para sentarem no banco de cimento.
– Ah, conta de você. Por que tá aqui, sua louca? –
já sentada a debochada.
– Prefiro que me chame de maluca – acende um
cigarro, mais animada, a de argolas.
– Aí, amiga! - incorpora a que mal chegara.
– É um engano eu estar aqui, mas tô gostando. Já
tive a chance de surtar, mas sabe como é, perdi a chance. Você também não
parece louca. Por que te trouxeram pelos cabelos?
– Porque eu tava certa e o mundo inteiro errado.
Eu devia de estar destoando – filosofa já quase adaptada ao entorno.
– Nem psicótica nem depressiva, então? – e traga a maluca
passando em seguida o cigarro à colega.
– Um quê de bipolar e um quá de histérica –
responde a louca.
– Que mulher não? – e riem as pacientes.
– É a mais viva prova de nossa sanidade: não somos
loucas – e devolve o cigarro.
– Assim sendo, pare de drama! Se você não sofre de
nenhuma psicopatologia crônica, por que chegou à força aqui?
– Digo não dessas de ter que ingerir psicotrópicos.
O máximo que posso precisar, aqui entre nós, hein, é de um chega-pra-lá pra
deixar de pirraça.
– Você sofre é de seriedade, amada.
– Séria, eu? Tá de sacanagem - e se distanciam as pacientes de dedos manchados de nicotina.
– É, você é muito séria - reforça a maluca.
– Você nem me conhece pra saber - refuta a louca.
– Tô te achando muito chata - blasfema a paciente crônica atirando longe o Derby.
– Não ouvi - murmura indignada a paciente aguda.
– Ih, cansei, pirada! - grita lá de longe.
– Ué, cadê? - e dá de ombros a portadora de PMD.
A nova paciente olha para um lado e para o outro e não vê a colega. Dá com uma porta espelhada que reflete seu desmazelo. Toma um susto com a imagem, suspira, conforma-se. Apaga uma guimba de cigarro com a sola do calçado preto, tenta ajeitar um pouco o uniforme, e vira o rosto para tomar aquele solzinho gostoso.