sexta-feira, 3 de junho de 2011

a piece of David Lynch:




       por Colina Coralina,
             com contribuições e melhores intenções de Mario Teixeira*.
mais de meio-dia, quando pousa na cidade maravilhosa. independente e auto-suficiente que é, resolve imediatamente conhecer o Rio de Janeiro. mas chega no hotel e até abrir a mala e guardar cada peça de roupa em seu devido lugar, mergulhar forte naquela cama king size e testar o ar condicionado...
por quase o sol já se havia posto e lá estava ela de frente para o teleférico com duas mulheres friorentas à sua frente. usam uns casacões enquanto ela, minissaia. elas pegam o primeiro, riem muito porque não conseguem subir nele e aquela alegria bêbada causa-lhe preguiça, que frescura! mas na sua vez vê que o ‘trem’ é mesmo sem jeito de subir: balança que só, sô! senta-se desajeitada e sobe, sobe, sobe. faz frio, mas é tudo tão lindo, pura mata atlântica! observa um miquinho pular de árvore em árvore e sente medo e fantasia que uma cobra lhe caia na cabeça. o verde-escuro é úmido, é floresta fechada, frescor e silêncio lhe confortam. suspira! fim. salta num campinho de futebol de terra vermelha, gols feitos com pedaços toscos de madeira e meninos, que como os miquinhos, se divertem a valer. quer comê-las, as crianças (são fofas com seus sorrisos), ao mesmo tempo que sente medo e fantasia que uma cobra surja pelo chão. está no Complexo do Alemão, uma das favelas pacificadas da cidade. aqui tem UPP, é seguro, ponto turístico exótico pra este tipo de turista, gringo. caminha, já quase consegue enxergar a cobra ao seu lado - seria ali o paraíso com suas contradições? -, e dá na varanda de algum lugar. sentadas num murinho pessoas comem da panela de um fogão ao ar livre. ela parece invisível, ninguém lhe olha enquanto contempla a novidade - já estarão acostumados a ser como miquinhos para turistas - , menos um, um moço de pé entre os outros, um moço que lambe os dedos e tem um prato de plástico nas mãos. ela, sente medo e fantasia encenando aquela tela onde ele é o único espectador. o único que nota sua presença lhe causa horror. escurece, time to leave!
o teleférico da volta é distinto. o caminho também, é estreito e escuro, há só um pedaço de ‘cano’ onde se pode segurar com as duas mãos. dependura-se nesse poleiro invertido, sensação estranha... tem medo e fantasia de escorregar,  aperta forte. passa mil cremes nas mãos, vai escorregar! o chão é cheio de pedrinhas e terra vermelha, parece uma saída clandestina, feita às pressas. como se arrepende! é aquilo um túnel, as paredes de barro mole, avermelhado, quente.  sente o calor em sua pele. a serpente segue dolente: tem que encarar, minha filha! agarra-se e vai descendo suspensa como uma franga de frigorífico. seus pés encostam nas pedrinhas do chão enquanto desce, e dali vê pessoas rastejando. elas tentam subir, misturadas àquele barro bíblico de onde vieram, num sacrifício dantesco. onde estou? no inferno? chega logo, este inferno de sensações dura uns poucos segundos. também surge lá embaixo o moço que lhe olhava lá em cima. ele usa uma camisa torta, tatuagens desfocadas, é grande, pelancudo e grosseiro. aproxima-se sem cerimônia: ‘gostei de você, aê?’ – aponta suas mãos gigantes à medida que diz olhando sarcástico nos olhos dela que buscam debandar-se dali. não tem ninguém por perto, a serpente já foi, e não tem saída. histérica, não quer ver, tapa os olhos pra gritar e ouve um barulho, uma sirene? são oito da manhã e o despertador de súbito lhe acorda. é quando sai sem medo e com fantasia em busca do teleférico.


* Mario? que Mario?
in: http://lugarmarioteixeira.blogspot.com/