Eu tinha 8 anos quando descobri que Papai Noel não existia. Eu
me senti tão adulta quando soube que cheguei eufórica em casa gritando para
minhas irmãs a novidade. Vim do colégio trotando pela rua, entrei em casa pela
porta dos fundos, passei correndo pela minha mãe lavando louça na pia da
cozinha até chegar na sala, onde as gêmeas viam TV. Minha mãe conseguiu me
deter em tempo de eu não completar a frase e matar, sem querer, um pouco da
inocência das duas que nem sabiam ainda escrever seus sobrenomes.
Mas lá se foi meu encantamento por água abaixo. Minha mãe me
explicou o porquê de não compartilhar com elas minha descoberta de um jeito que
eu as invejei de não saberem a verdade. A professora da 2ª série devia ser
muito infeliz para revelar aos alunos um disparate desses! Ela tinha o cabelo
curto mal tingido de henna e nos
contou, a seco e friamente, imóvel em sua cadeira, que Papai Noel era nossos
pais.
À noite não quis jantar. Tomei um copo de leite frio com Nescau
e fiquei brincando, sem gracinha que só, com minha Bibi-bo, a Barbie grega que
meus pais haviam trazido para mim de uma viagem, em cima da mesa de centro da
sala ao lado das minhas irmãs, que jogavam pega-varetas. Ela era linda, a
boneca, com seu maiô dourado e sua bolsa, também dourada, que virava uma esteira
de praia. Do tampo de vidro da mesa eu via a capa, agora menos mágica, do meu livro preferido,
“Turma dos Sete”, que eu ganhara num… natal.
As salsinhas congeladas lá fora na horta, nós três ali de pijama
de flanela, sendo eu a primogênita, a pioneira da prole a começar a perceber
como a vida é dura.
(Este texto é fruto de um curso de escrita criativa que estou fazendo: http://terapiadapalavra.com/)