Copacabana é o bairro mais
populoso do Rio de Janeiro, abocanhando cerca de 150 mil habitantes. abriga três
estações de metrô, três favelas, um dos hotéis mais luxuosos da América Latina,
de sinagogas a sex-shops, o forte e uma praia em formato de meia-lua: a princesinha
do mar, assim chamada, é dona do calçadão mais charmoso da orla pelos
desenhos de Burle Max. Drummond
não sai de lá.
é a
um palmo desta praia donde vivo yo! num destes
20 aptos por andar desta caótica e animada Gotham City, caracterizada por ter
mais moradores do que pode comportar - ampla e confortavelmente falando. há
tempos, este renomado pedaço de terra espremido entre o mar e a montanha,
encheu-se de prédios altos, de aptos colados uns aos outros e tornou-se um
microcosmo brasileiro, unindo diferentes classes sociais e turistas em todas as
temporadas. por isso, venho falar
dos meus vizinhos, que mesmo não se tratando de um prédio “treme-treme”,
eles são bem peculiares!
a vizinha do
1019 viaja com o namorado europeu e deixa a gata pra eu cuidar. traz como
agradecimento um ímã de geladeira que diz: lembrei de você em Arraial do Cabo.
o souvenir não combina nada com a minha cozinha, mas mesmo assim o tasco na
geladeira! o estilo de vida dela tampouco tem a ver com o meu. no dia dos
namorados, penso na Lapa e comento que hoje é um dia bom para sair: para uma
solteira como eu, imagino que todos os mocinhos avulsos na rua hoje sejam
solteiros. ela concorda e me sugere uma volta no shopping! shopping? ni
hablar! quem vem semanalmente limpar o apto do vizinho do 1021 é a
ex-mulher. oi? ainda este tal querido vizinho me levou para aulas de samba,
soltinho e gafieira. Jaime Arôcha elogiou meu batom e o meu vestido, me fez
sentir una chica Almodóvar! meu gato Bahia quer passear e começa a dar
voadoras na porta e, enquanto saio com o lixo, ele corre para dentro de uns dos
quatro aptos que a bruxa do 608 aluga pra temporada. ela odeia gatos, reclama e
pede bufando pra tirá-lo já de lá, 'não quero pulgas em minha casa'. eu
digo que meu gato não tem pulgas. ela quer me xingar, ela diz: 'mas você
é tão bonitinha, não queria fazer isso, mas se continuar assim...' já que
moro de aluguel, tenho que engolir.
na volta do xerelete do Adega Pérola, cruzo com a vizinha do 722. ela pede fogo
e a voz sai das entranhas, parece que ela quer chupar meu sangue. medo! a
hipocondríaca que acaba de mudar-se para o 1021 passa os dias jogando Baygon na
entrada de sua porta e reclamando de alguma dor, um leque de sintomas
que variam a cada dia. o vizinho do 512 mente, diz que tem 19, mas tem 16.
pede abrigo quando briga com os pais e ajuda para escrever cartas para a
namorada. ele tenta, eu sempre invento uma desculpa. ganho um prato de macarrão
da vizinha do 917 depois que a deixo cozinhar em meu fogão - cortaram
seu gás. ela compartilha apto de 40 m2, iguais a todos do prédio, com o
namorado, a mãe e o irmão dele, os dois filhos dela e ainda Kate e Tubo, a
cadela dele e o gato dela. vida bandida!
são 12
andares, 24 aptos conjugados por andar, mais de 500 moradores, 10 porteiros. um
deles um dia me disse que tinha um presente pra me dar. ganhei uma mexirica! e
depois, me vendo ir viajar, gritou da portaria: 'volta logo'! fala sério! minha
gata se esconde debaixo da máquina de lavar quando a criança do 807 toca a
campainha. houve um tempo que eu a emprestava, a gata preta, coitadinha, para
ele e a menininha do 217 brincarem. deixo umas roupas para reparos e descubro
que a costureira é minha vizinha do 204. ela me pede para ir a sua casa ajudá-la
a tirar uma passagem online e acabo horas no MSN com seu pretendente virtual,
Mustafá, um turco que ela achava ser espanhol. minha hóspede flerta com o
vizinho do 406. ele é gay, comento, mas adora provocar,
por isso ela segue tendo fantasias com ele. belo dia chego atrasada no trabalho
porque tenho que ajudar a vizinha do 703 que bate à minha porta chorando por
não conseguir pôr os curativos pós-cirurgícos na Cocada, sua gatinha
recém-castrada. ela também divide apto com Eros, seu cão obeso, e chega outro
dia à minha porta com um pedaço de bolo como agradecimento, justo na
hora que eu penava tentando fechar um zíper nas costas do vestido. Deus dá
em dobro mesmo!
vivo nos
fundos de Copacabana. não tenho vista para o mar, mas posso usufruir
de um útil varal na minha janela. pago a língua cada vez que penduro
qualquer coisa lá. numa dessas, deixo cair uma toalha que pousa no ar
condicionado do vizinho do 314. deixo uma notinha debaixo da porta pedindo por
gentileza que deixe a dita cuja na portaria. quando volto encontro um bilhete
com seu nome completo, e-mail, telefone em Salvador, endereço e Orkut: ‘não
encontrei a toalha, mas vamos tomar um café ou quem sabe, um avião?’ oh! quanto
mais eu rezo... Bahia corre pro 11° andar, escuto seu miado, subo e o encontro
mordendo fios na obra elétrica, me lembro do carneiro eletrecutado da infância, mas não consigo tirá-lo de
dentro daquele puxadinho. desmaiaria se fosse mais boba, churrasquinho do meu
gato, mas desço atrás de um atum em lata para atraí-lo. em vão, ele é
salvo pelo síndico que me traz o bichano todo empoeirado no colo, meu
herói!! a babá do filho do taxista do 301 comenta preocupada do dever de casa
do menino: ‘fala de Xangô, mas Xangô é coisa de demônio! e também tem textos
sobre trovão. trovão é Deus, óxente!’ e lamenta: ‘não estou entendendo este
colégio!’ axé, odara!
neste
momento lambo os dedos de manjubinhas picantes em conserva que a vizinha
do 917 me deu de natal. os gatos também ganharam um pote de manjubinhas fritas.
e ouço as músicas da bandinha de hip hop daquele meu vizinho adolescente. morar
aqui é assim, cuspo no prato que como, mas Copacabana, eu hei de amar. na real,
oscilar entre amo e odeio, varia com o humor do momento. se mau, vejo
tudo bizarro e feio. se bom, é tudo estranho mesmo, só que curioso e
divertido.
viva o olhar
antropológico! viva a subjetividade humana e a diferença! afinal, que sem
graça seria se todos fôssemos iguais.