Sou
daquelas que dizia que não queria ter filhos. A
vontade que surgiu um dia foi pro beleléu após adotar meus bichanos! No meu jovem casamento entrei
com dois gatos e o marido, com um filho. Rá!
Minha
irmã deu à luz uma menina sorridente e de gênio bom. Deu vontade de copiar, mas
pensando bem, não. Então minha melhor amiga resolveu engravidar e de novo cogitei
imitar. Mas não, melhor não. Só que ela ficou quase dois anos tentando, um
chororô todo mês diante da menstruação que vinha. Uma angústia só! O casal não
tinha nenhum problema de infertilidade, a não ser o mais grave, a profissão
dela. Se em casa de ferreiro, espeto é de pau, ninguém
melhor do que uma psicóloga pra conhecer a força do psicológico e não conseguir ignorar a existência dele.
E
foi aí que eu decidi parar de tomar pílula, nessa inquietude de ter ou não ter
filhos e no alto dos meus 37 anos, pensei: se eu resolver, o corpo já estará de
volta ao ritmo natural e assim, meio caminho andado.
E
foi um festival de coito interrompido e tabelinha! Até que o da minha amiga
vai nascer em março e o meu, em maio, e agora a gente não fala de outro assunto! Bem
que eu disse que Cartagena das Índias era afrodisíaca!
Diante
do misto de emoção e susto pelos 1000 BETA HCG, gravidez indesejada? – pecado
falar assim! - rodo o livro desesperadamente, como se fosse IChing, em busca de uma resposta. Quero
saber se vai ser bom ter um bebê, e dou no trecho sublinhado abaixo, porque
digitei o poema inteiro do "Jóquei", de Matilde Campilho:
"Ascendente
Escorpião
Na noite em
que Billy Ray nasceu
(rua 28,
cruzamento com a 7, Nova Iorque)
não havia
ninguém dedicado à contemplação dos gerânios
Havia, isso
sim, o som do mundo que caía
como
estalactites múltiplas
sobre as
cercanias do hospital
Automóveis,
alguns a 90 km/h, outros a 30 km/h
Bombeiros
correndo para salvar o cachorro
preso na
escotilha do bote atracado no Hudson
O imigrante
rendendo o caixa da loja de conveniência
para roubar
alguns solares e chicletes
Aquele casal
na esquina à direita, os dois chorando,
terminando com
razão o arrastado namoro de cinco anos
Rosa Burns
entrando em casa sem pressa nenhuma,
lançando
investidas à fechadura com a chave muito mais velha
que seu rosto
– tremendo, tremendo, quase desistindo
desse negócio
de viver e atirar no alvo
Havia o
caminhão varrendo todos os pedaços de lixo da rua
Havia o ruído
das fichas de pôquer sendo lançadas
sobre a mesa
verde-gasto, entre dedos e fumaça
Alguém
gritando, na explosão da minúscula morte
Alguém
cantando a canção sul-americana
Alguém
afagando o pescoço do pombo sem dono
Alguém jogando
a bola de tênis contra a parede do quarto,
repetidamente,
repetidamente, repetidamente
Havia o rádio
no on tocando algum barulhinho em
onda média
Havia uma
bruxa cozinhando azevinho & cobre na panela
do apartamento
de paredes queimadas
Na noite do
nascimento de Billy Ray
ao mesmo tempo
que ele escutava o som gelatinoso
da placenta de
onde era arrancado
e depois o som
da passagem pelo canal uterino de sua mãe
e depois o som
de seu próprio grito
o grito que
inaugura a festa
O mundo se
reunia inteiro
entre a rua 28
e a rua 7
em Nova Iorque
para rezar a
oração dos pequenos gestos
o aleluia da
existência ocidental:
centenas de
homens vergados
fazendo vênia
à metafísica suficiente
que existe nos
corredores do mundo
e se extrapola
até o infinito lunar."
Caramba!
Fecho o livro pasma e concluo então que o mundo continuará girando e que eu
não preciso fazer todo esse escarcéu. Até porque tenho nove meses pra me
acostumar e este relato acabou ficando muito pessoal.
(Este texto eu escrevi em out/15 fruto do curso de escrita criativa, "Terapia da Palavra". E agora, de curiosidade, fui olhar qual era o ascendente do meu filho e... adivinha só! Escorpião! Inacreditável.
(Este texto eu escrevi em out/15 fruto do curso de escrita criativa, "Terapia da Palavra". E agora, de curiosidade, fui olhar qual era o ascendente do meu filho e... adivinha só! Escorpião! Inacreditável.