terça-feira, 28 de maio de 2013

Candyland



“Candy asked me if she died if I could go on
Of course I said I couldn't and of course we knew that's wrong”


quando eu morrer você vai se lembrar de mim.
da minha dificuldade com a tecnologia
telefonando à noite pra me ensinar como colocar um filme
meus CDs arranhando
o vinil de Carmen que você nunca pôs pra eu ouvir.
das frases estrangeiras
do meu atraso matinal
os inúmeros livros inacabados
os fartos cafés da manhã de domingo
até da minha batelada de reclamações na cozinha
talvez você sinta
falta
do meu beijo na chegada
minhas barbeiragens
meu jeito sonso
dos tantos elogios que te deixavam sem graça
até da minha dificuldade de comunicação
talvez você sinta
falta
do meu sorriso de compreensão
meu jeito que você já conhecia
os doces que eu gostava
é bem capaz que você sinta
falta
do tato
das nossas fabulosas viagens e das que ficaram por vir
por falta de jeito
submissão
exagero
desperdício
efêmero.

quinta-feira, 25 de abril de 2013

Lapinha da Serra


Este texto mudou para o seguinte endereço:

 http://losamantespasajeros.wordpress.com/2013/09/28/lapinha-da-serra-mg-2/


quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

A Concubina



co-participação de Mario Teixeira

Ele é musicista. Toca choro, samba, tango, cha-cha-chá... qualquer ritmo que você quiser que não seja num pandeiro! Ele mora não sei com quem, mas vive muito bem, eu soube, em seu segundo lar, uma orquestra. Ele é um talento e não tirou os olhos de você. Seu jeito misterioso, atento e dividido entre o par de pratos e a sua figura enquanto acompanhava “I Did It My Way”, te b-a-l-a-n-ç-o-u. E não foi por causa daquele blesq bom... ô balance balancê!

Você vai querer ter um caso com ele. E ele vai te mandar músicas diariamente, tocar na sala pela madrugada tudo que você queria. Você vai achar algo muito delicado e vai se apaixonar pela sua autenticidade. Mas vida, você já é comprometida e isso é uma novidade, esqueceu?

Não, você nunca soube dizer não.

Então você vai se jogar, porque é louca e está louca de curiosidade para ouvir o que ele tem para te dizer. E como ordenam os clássicos e discordam os sambas, vocês vão combinar. E você resolverá mudar de vida. É, nessa valsa você vai trocar de par. Depois, tudo a mesma coisa, mas numa outra companhia, um frescor no ar. Os amigos serão outros, e disso você gosta, de conhecer pessoas novas. Talvez mude um pouco o cardápio, algo diferente no jantar ou as cores das paredes e os programas de TV. Talvez até vocês tenham mais afinidades. Você vai ampliar seu background porque vai aprender as coisas novas que ele, tão erudito, te traz.

Tudo é finitude.

E logo alguém virá puxar sua orelha, perguntar: 'por que tão rápido?', te chamar de sanguinária. Vão dizer que você tenta preencher o vazio impetuosamente. Você vai se sentir culpada, se flagelar porque isso as pessoas que te querem não merecem, mas não vai mudar, porque a vida inteira tudo te chegou assim facilmente e sem se dar conta, seus caprichos te arrastam de um jeito assim, avassalador.

Ou você, não menos desmiolada, pode renunciar e sentir-se bem caretinha! Você vai escrever uma carta e recusar seu convite usando palavras bonitas. Dirá que adoraria passar o final de semana em sua companhia, e também a semana seguinte, “mas esta seria a parte que eu não sei se devia”. Você vai achar todos os motivos que te fariam ir e sentimentos que te fariam ficar, para depois saber que pôde e não soube aproveitar. Pode ser que ele não compreenda, e nem precisa, mas você vai honrar seus compromissos. Estes que você escolheu ter. E passará o dia cantarolando, “qué bonito sería tu mar si supiera yo nadar.”

E assim, hesitante, andando distraída pela rua, uma cigana te lerá a mão, e sábia, vai te descrever muito bem. Ela vai te comparar à figura da Concubina. Você não vai gostar, vai se ofender, mas depois se conformar porque sabe muito bem como se encaixa neste papel. Ela vai te desvendar, e você vai se tocar que seu jeito de agir é mesmo desapropriado. 

E não é que era exatamente o que você precisava se dar conta, afinal? Para então ir lá provar: doce, doce, doce.

 *foto do filme “L'Apollonide – Os amores da casa de tolerância”.


quinta-feira, 21 de junho de 2012


Para Coelhinho e Irmã-saltinho:


entediada com a paisagem repetitiva e com o relógio que caminhava lento, naquele trem ela recordava sua infância num país estrangeiro, em guerra. guerra esta que ela desconhecia, pela ingenuidade característica da idade. mas de ingênua não era para outras coisas. naquela época sabia muito bem da maldade de dedurar as irmãs para a mãe, quando elas por exemplo, faziam arte na escola. tinha duas irmãs gêmeas que frequentemente se juntavam contra ela e puxavam seu cabelo, seu ponto fraco. quando ela brigava com uma ou outra, vinha a dupla implacável. o par de monstrinhas treinava em casa e um dia em sala de aula, uma para defender a outra, puxou o cabelo da professora até o chão, a qual - para incrementar o grau de crueldade - quase não tinha cabelo. ela, a irmã mais velha, vendo as gêmeas através da janela do pátio de castigo, encurraladas na sala da diretora, sorriu mostrando os caninos e chegou em casa antes da notícia aos ouvidos da mãe. talvez porque tivesse bem vivo dentro de si um desejo constante de vingança. ou não, fazia-o de pura gaiatice! detalhou à mãe com detalhes sórdidos a batalha sangrenta das irmãs com a tia Jô, do emaranhado de cabelos da mestra entre os dedinhos frenéticos da irmã. a mãe atônita corre à escola deixando a pilha de roupas por passar, trazendo as gêmeas, dependuradas cada uma de uma orelha por todo percurso do colégio à soleira da porta de casa. as meninas não choravam, engoliam a seco a dignidade de sua feita e a honra pela batalha vencida contra a professora déspota. a irmã mais velha se deliciava, sentada na mesa da cozinha, com a gelatina em cubinhos e o circo de horrores à sua frente. a mãe que treme pouco, vem descompensada do banheiro onde largara as demoníacas no banho e agradece à filha mais velha por ter-lhe contado o ocorrido, enquanto recolhe o copinho raspado de gelatina da mesa. a mais velha, sentindo-se plena, sorriso escancarado na cara, vai para a sala desenhar e espera eufórica pela chegada do pai. num outro cômodo da casa a mãe termina de passar a roupa ao mesmo tempo que as gêmeas tomam banho de banheira, mudas e penosas de ficar sem sobremesa depois do jantar. é como diz o ditado: um dia da caça, outro do caçador.




quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

S.I.M



para André.

pra você eu digo sim,
assim,
bem facinho,
meio impensável,
inevitável.

não é todo dia,
você fez do dia
a mais grandiosa lisonja!

pra você eu digo sim,
emocionada,
com pele arrepiada,
olhos marejados,
coração disparado.

não é pra qualquer um:
quero rotina de dois,
pintar paredes coloridas,
‘lava a louça
que eu estendo a roupa’.

pra você eu digo sim,
e me surpreendo comigo mesma,
valores tolos,
escoando pelo ralo.
com você eu encaro.

nem precisa mais abrir a porta,
eu tenho a chave.
‘vai fazendo o yakisoba
que eu boto a mesa’.
que dia vamos começar
aquela horta?

que baita prova de amor
é um pedido de casamento.
e querer a mesma coisa
num mesmo exato momento.

pode se gabar,
você exerce um poderzinho sobre mim.
eu te amo.
pra você é claro que é sim!


*foto byTulio Isaac

quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

Mi casa, su casa.



En el trayecto hacia el aeropuerto, no pudimos hablar, nosotras tan solo llorábamos. Ángela solía decir que yo era la hermana que no tuvo -  a los que no saben, tiene 3 hermanos varones: Carlete, Adol y Pablo. Y sí, fuimos como hermanas durante los 9 meses que vivimos juntas: yo, ella, Lourdes y la Mujer de Blanco, ¿te acuerdas, Luli?, en su preciosa casa en los Montes de Málaga. Yo había ido a España a estudiar español y cuidaba a Lourdes, su hija, entonces con 2 y luego 3 añitos, una niña muy presumida a quien le encantaba ponerse tacones y un vestido de gitana con muchos volantes,¡supermona!

Los que me conocen bien, seguro que ya oyeron hablar de Ángela, no por la foto que tengo suya con Luli en mi casa, (arriba) pero por haber sido la protagonista de mi maravillosa experiencia en España.
Ángela me prestaba sus ropas, su coche y su plancha para el pelo. Le regalé un compact de Jarabe de Palo (ver video abajo) cuando me fui y ella compró regalos a todos de mi familia. Habían más regalos en mi maleta que ropas. Y cuando ya estaba en Brasil, me mandó por los correos, uno de los mejores ingenios españoles:¡una fregona!Desde el salón, mientras veía con Luli, Blancanieves, su peli favorita, me gustaba adivinar con qué medias iba a bajar las escaleras, un abanico de variedades que ella desfilaba cada noche que iba de marcha. Siempre que salía de juerga lo hacía ¡a lo grande!

Con ella aprendí a cocinar albóndigas, echar vino tinto en las salsas, hacer gazpacho y me convertí en una adicta a la nutela. Me encantaba cuando le antojaba desayunar churros con chocolate y bajaba temprano en su coche a por ellos. Era tan rica la mermelada de fresa que su padre, Carlos, hacía, y también los boquerones al escabeche. Y qué gustito era cuando su madre, Mariángeles, la estupenda abueli de Luli, nos llamaba para decir: “¡Bajad, guapas. He hecho paella!” ¡Qué bien lo pasábamos! Me acuerdo de Ángela contando los billetes para pagar al hombre del camión de agua y del verano cuando por fin llenamos la piscina.
Lourdes, en el comienzo, no podía pronunciar mi nombre, muy largo para una niña tan chica, así que me decía Colina. La gente pensaba, qué mono, pero yo insistía para que me llamara C-a-r-o-l-i-n-a, con todas las letras. Luego aprendió a llamarme Coralina y un par de días antes de que me fuera, me dijo: ¡Carolina! Me puse la piel de gallina y aquel día me hizo mucha ilusión que me volviera a decir ‘Colina’.

En mi fiesta de despedida en "nuestra" casa, hizo pinchitos y llenamos la pisci de globos. Me dejó que invitara a todos mis amigos ‘guiris’, que se juntaron a los suyos, en una gran fiesta andaluza con mucha caipirinha, ya que alguien consiguió “maracujá” y una botella de 51 en el Corte Inglés. Ángela sugerió que me tiraran a la piscina con los zapatos encima y al final, terminamos todos chorreando.
Fueron días muy felices, Ángela me hacía sentir muy a gusto allí y es por eso que de ella me llevo los mejores y más dulces recuerdos de Málaga.

Aunque mi sueño de ahorrar dinero para un viaje a España y imaginarme llegando a su casa, se murió ayer... ¿sabes qué?, estoy muy contenta por haberte conocido. Les doy las gracias sobre todo a Camilo y Hernán que me pusieron en sua vida, y viceversa.

Para Ángela, muita saudade y una canción:
http://www.youtube.com/watch?v=xxhET61yB1A&ob=av2e


foto: Yo en su casa en los montes con Atila, el perrito de Lourdes. 

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Se








se naquele samba você dissesse
que eu tinha corpo de bailarina.
se na fila do mercado eu tivesse te notado,
e sendo a sua fila mais rápida do que a minha,
você estivesse lá fora e dissesse: ‘tava’ te esperando.
se você ousasse!


se você tivesse parado com seu calhambeque,
para trocar o pneu do meu cadillac.
se me convidasse para jantar
os peixes que pescou durante o dia.
se você tivesse topado o blind date.
se você se atrevesse!


se tivéssemos dividido uma maçã,
se eu fizesse parte do seu show,
se me amasse, me amassasse,
si hablaras español.


se me escrevesse uma canção,
se fosse mais determinado
ou se quem sabe eu te sorrisse!
ah, se eu te facilitasse o caminho!


se você fizesse graça!
uma surpresa na caixa de correio,
ou uma conchinha debaixo da porta.
se fantasiado de gorila pra chamar a minha atenção.
se tivesse dito que me ensinava,
quando eu recusei o convite
para dançar aquele tango.
ah, se você insistisse!


se tivesse me abraçado no táxi da volta,
e me lascasse um beijo para ver passar o calor ou o frio
que eu disse que estava sentindo.
se concordássemos em gênero, número e grau.
ah, se eu fosse valente!


se na ciclovia, bonito como é,
me pedisse uma disputa.
se trocasse de elevador só pra subir comigo,
se você me desse alguma dica!
se pedisse minha opinião pra ficar,
ou me dito pra não ir,
me dado carona no guarda-chuva,
ganhado no cassino e me pedido pra casar.
se eu soubesse como era fácil te agradar!

se tivesse jorrado palavras ao vento elétrico dos bits
ou puxado minha mão, menos tímido do que eu.
se tivesse me arrastado, eu me deixava levar,
como alguém em direção ao mar.

se você viesse com conversa mole, e eu te desse mole.
ah, se!
só teria meu beijo contido até te dizer que queria te beijar.
ou de nada valeria.
eu riria com você de tudo no dia seguinte,
no chão,
tomando vinho comprado no supermercado.





segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Folie à Deux



Head on the ground:
“Trabalho nos bastidores da vida”, era o que costumava dizer. a psiquiatria era o lugar de onde você explicava e enxergava o mundo.  dizia ouvir coisas que um não pagaria pra ver. desde criança queria ser útil, ter uma profissão que salvasse o mundo. você tinha talento para tratar com gente, empatia para escutar suas mazelas e ouvido apurado para notar as singularidades de quem fosse. era perceptivo, observador e sagaz para intervir. um sucesso de menino! e muito gostoso, muito.

Feet on the air:
Curava lá fora e desconcertava aqui dentro.

Where´s my mind?
Fora deste universo, não menos complexo, você pensava alto em alguém que gostasse de caminhar na chuva, assim como você, aqui em Paris, sua cidade natal, onde seus pés estão bem fincados há 30 e poucos anos. e essa é a parte da história onde eu entro, distraída, assoviando dó ré mi sol e sem querer saio do palco, ensopada de chuva, e no caminho perco um parafuso, e no descaminho dou na sua porta, que você imediatamente abre, fascinado pelo meu jeito, meu sotaque, minha audácia e pelas cartas que um dia eu pudesse te escrever. você também está gotejando, tiritando de frio, você diz: “acabo de chegar!” e conversa amenidades, como se não fôssemos íntimos. e somos? logo saberia, a convivência nos aproximaria. e assim, como sol lá si dó, me meto desconfiada nestes bastidores e uma vez lá dentro me transformo em fantoche manipulada à sua revelia. neste esconderijo atemporal se desenrola a nossa história, folie à deux, pano de fundo para que a nossa existência, farta de frases desconexas, delirium tremens e erotomania, se dê. que paradoxo, tanta loucura, mas é tão confortável aqui. não, doutor, não me receite psicotrópicos, estou perturbada, mas é normal, minha confusão sobre qual sinal pendurar naquela porta não é descabida: ‘don´t disturb’? ‘you´re welcome’? não se preocupe, você diz: "eu quero um a um com você", while I ask myself: "where´s my mind?" não tenho escolha, don´t stop. morro de paixão quando me enrosco contigo.


https://www.youtube.com/watch?v=GfcW_cPDCHo

terça-feira, 9 de agosto de 2011

Identidade.


"Pode-se até começar a sentirse chez-soi, 'em casa', em qualquer lugar,
mas o preço que se paga é a aceitação de que em lugar algum
se vai estar total e plenamente em casa. (...)
As 'identidades' flutuam no ar."

Zygmunt Bauman
sociólogo nascido na Polônia e naturalizado britânico.

Tradução minha de um texto de Andrés Neuman*:
El país de la espera: la otra cara de los aeropuertos

Vó Rosa nasceu na Espanha. Cresceu durante a República e se exilou quando acabou a guerra. Na Argentina teve outra vida, outra família e muitos netos. Lá, Rosa perdeu suas raízes, ou ganhou novas, ou ambas coisas. Foi feliz e infeliz, conheceu democracias e ditaduras, fartura e miséria. A Argentina, em síntese, pareceu transformar-se em seu destino. Mas depois de ficar viúva, Rosa quis voltar à Espanha para encontrar sua irmã, que permanecera em seu país natal. A irmã espanhola a recebeu desejosa de inaugurar de novo o tempo. O reencontro trouxe emoções, surpresas e conversas durante todo o ano. Neste período, a família argentina de Rosa não deixou de telefonar pedindo seu regresso. Voltar como, se acabo de voltar?- pensava ela ao escutar a voz dos filhos do outro lado da linha, enquanto olhava para as rugas da irmã mais nova.

Com o passar dos meses, Vó Rosa começou a hesitar. Recuperara a irmã e os lugares da infância, mas sentia saudade dos outros parentes, suas outras ruas. Após numerosos telefonemas, Rosa acabou aceitando as passagens de avião que lhe deram. Arrumou novamente as malas e, uma tarde, se dirigiu ao aeroporto de Málaga para voar à Argentina. Na manhã seguinte, sua família ligou para a Espanha preocupada. Cadê a vovó? Seu avião havia pousado sem ela a bordo. Sua irmã não sabia de nada. Rosa não havia voltado nem telefonado.

Às pressas, sua irmã pegou um táxi ao aeroporto para perguntar por ela. Logo em seguida, a encontrou sentada em uma destas salas de espera, quietinha, olhando de forma ausente os painéis dos voos. Vendo mudar os lugares, os horários, as companhias. Estava assim o dia inteiro. Havia perdido o avião e os seguintes. Não tinha trocado de roupa. Parecia tranquila.

Quando Vó Rosa pousou finalmente em Buenos Aires, seus familiares atribuíram seu comportamento à senilidade que, por momentos, dava indícios nela. Eu prefiro pensar que Rosa teve um insuportável acesso de lucidez. Que passou 24 horas refletindo de frente para o painel dos destinos, meditando quem era e de que lado estava, no único lugar do mundo onde não se está em nenhuma parte: o aeroporto. Quero pensar que Rosa, antes de voltar para seus netos, averiguou para quê serviam as esperas, o estado de trânsito e os passarinhos que voavam no telhado.
* Andrés Neuman nasceu em 1977 em Buenos Aires onde passou sua infância. Hoje vive em Granada, sul da Espanha, em cuja universidade foi professor de Literatura hispano-americana. Recebeu vários prêmios e esteve mês pasado no FLIP , a Feira Literária de Paraty. Sou fã dele e acho lindíssimo este texto!! Parecido com este tema, há o filme de 2001,  "Herencia", da argentina Paula Hernández.

segunda-feira, 13 de junho de 2011

amantes.


*um texto para subverter a ordem do dia,
dia dos namorados.*
gosto de me lembrar, eu sonolenta ouvia você se trocando para viajar. seu jeito afobado, catando as coisas pelo caminho, o cheiro do café. antes de sair você se abaixou e sussurrou no meu ouvido que me amava. foi a primeira vez que me disse isso. eu freqüentava a sua casa. era sempre jazz de fundo e manchas de vinho nos sofás. você punha o colchão no chão e o ventilador ficava em cima da gente. lembro da primeira vez que fui lá. depois de dançar a noite inteira você me chamou pra ver a árvore que enfeitava a sua varanda. fazia noite de lua cheia e um pouco de frio, você me emprestou um casaco e não deixou que eu o devolvesse quando fui embora. queria me ver outra vez. lembra do dia que a moça da faxina chegou antes que eu saísse do banho? você me ajudou a vestir dentro do banheiro. o chão estava alagado e você se agachou para subir a barra da minha calça... éramos felizes. lembra da primeira vez que você fez marshmellow? pra comer com os morangos e me lambuzar, junto com a champanhe. aquele dia comemorávamos seu aniversário. era estranho te dividir com outra pessoa. leviano? muita gente podia achar, mas aconteceu com a gente. e por você ser sempre tão presente, me completava. não havia rótulos, sei lá, estávamos juntos, era tudo. e o dia que você me deu uma calcinha vermelha em formato de flor? você me entregou dando risada dizendo que comprara “aquela cafonice” para ajudar alguém na faculdade. mesmo assim, eu adorei. imagina! nada que vinha de você era brega. como eu adorava passear de mãos dadas com você! e quando me pegava de carro pra ir comer uma torta de chocolate n´algum lugar, lembra? a gente ia ouvindo Roberto Carlos no ipod. e as baladas até de madrugada? foram tantas! lembro das suas atrapalhadas, seu jeito elétrico e apaixonado, da sua insistência pra ficar comigo. essa obsessão me lisonjeava. guardo o cheiro da sua casa, do perfume de flor que entrava de noite, quando você abria uma fresta da janela. tinha uma foto dela na mesa do escritório, mas não me incomodava, o seu amor a ofuscava. e que contraditório, se era você quem enlouquecia de ciúmes. e aquela noite que você ligou pra sua mãe pra contar que não ia mais se casar? estava apaixonado por outra pessoa, lhe disse. ela levou tanto susto! você só queria me testar. meu amor, já faz quanto tempo? são quantos anos? e ainda. te mando esta carta desde longe. espero que goste, sempre esperei. espero que goste de tudo. para sempre sua.


sexta-feira, 3 de junho de 2011

a piece of David Lynch:




       por Colina Coralina,
             com contribuições e melhores intenções de Mario Teixeira*.
mais de meio-dia, quando pousa na cidade maravilhosa. independente e auto-suficiente que é, resolve imediatamente conhecer o Rio de Janeiro. mas chega no hotel e até abrir a mala e guardar cada peça de roupa em seu devido lugar, mergulhar forte naquela cama king size e testar o ar condicionado...
por quase o sol já se havia posto e lá estava ela de frente para o teleférico com duas mulheres friorentas à sua frente. usam uns casacões enquanto ela, minissaia. elas pegam o primeiro, riem muito porque não conseguem subir nele e aquela alegria bêbada causa-lhe preguiça, que frescura! mas na sua vez vê que o ‘trem’ é mesmo sem jeito de subir: balança que só, sô! senta-se desajeitada e sobe, sobe, sobe. faz frio, mas é tudo tão lindo, pura mata atlântica! observa um miquinho pular de árvore em árvore e sente medo e fantasia que uma cobra lhe caia na cabeça. o verde-escuro é úmido, é floresta fechada, frescor e silêncio lhe confortam. suspira! fim. salta num campinho de futebol de terra vermelha, gols feitos com pedaços toscos de madeira e meninos, que como os miquinhos, se divertem a valer. quer comê-las, as crianças (são fofas com seus sorrisos), ao mesmo tempo que sente medo e fantasia que uma cobra surja pelo chão. está no Complexo do Alemão, uma das favelas pacificadas da cidade. aqui tem UPP, é seguro, ponto turístico exótico pra este tipo de turista, gringo. caminha, já quase consegue enxergar a cobra ao seu lado - seria ali o paraíso com suas contradições? -, e dá na varanda de algum lugar. sentadas num murinho pessoas comem da panela de um fogão ao ar livre. ela parece invisível, ninguém lhe olha enquanto contempla a novidade - já estarão acostumados a ser como miquinhos para turistas - , menos um, um moço de pé entre os outros, um moço que lambe os dedos e tem um prato de plástico nas mãos. ela, sente medo e fantasia encenando aquela tela onde ele é o único espectador. o único que nota sua presença lhe causa horror. escurece, time to leave!
o teleférico da volta é distinto. o caminho também, é estreito e escuro, há só um pedaço de ‘cano’ onde se pode segurar com as duas mãos. dependura-se nesse poleiro invertido, sensação estranha... tem medo e fantasia de escorregar,  aperta forte. passa mil cremes nas mãos, vai escorregar! o chão é cheio de pedrinhas e terra vermelha, parece uma saída clandestina, feita às pressas. como se arrepende! é aquilo um túnel, as paredes de barro mole, avermelhado, quente.  sente o calor em sua pele. a serpente segue dolente: tem que encarar, minha filha! agarra-se e vai descendo suspensa como uma franga de frigorífico. seus pés encostam nas pedrinhas do chão enquanto desce, e dali vê pessoas rastejando. elas tentam subir, misturadas àquele barro bíblico de onde vieram, num sacrifício dantesco. onde estou? no inferno? chega logo, este inferno de sensações dura uns poucos segundos. também surge lá embaixo o moço que lhe olhava lá em cima. ele usa uma camisa torta, tatuagens desfocadas, é grande, pelancudo e grosseiro. aproxima-se sem cerimônia: ‘gostei de você, aê?’ – aponta suas mãos gigantes à medida que diz olhando sarcástico nos olhos dela que buscam debandar-se dali. não tem ninguém por perto, a serpente já foi, e não tem saída. histérica, não quer ver, tapa os olhos pra gritar e ouve um barulho, uma sirene? são oito da manhã e o despertador de súbito lhe acorda. é quando sai sem medo e com fantasia em busca do teleférico.


* Mario? que Mario?
in: http://lugarmarioteixeira.blogspot.com/