Abro a janela de manhã logo depois de alguém
me dar “Buenos días”. Não faço esforço algum, só aperto um botão e a escuridão
do quarto desaparece. No meio da sala espaçosa, a lareira, imponente, que nunca
acendi neste um ano que estive aqui. Meu desjejum é madalena, pão com azeite e
café preto. Aqui todo mundo se espanta porque não tomo com leite, “café solo”, puro,
porque sou brasileira. Quando tô muito animada, “bajo a por churros” (desço para
comprar churros), que aqui não são recheados com doce de leite, apenas uma
massa fina, deliciosa e crocante, “crujiente”, que falar assim dá mais água na
boca. Preparo um chocolate quente da marca Palladium, que ontem comprei no
supermercado El Día. Estou feliz. Abro a gramática, lección 6 – Pretérito
Pluscuamperfecto del Subjuntivo, conjugo os verbos em voz alta e mergulho um
churro no chocolate. Faço com facilidade todos os exercícios e limpo o resto do
azeite do prato com o último pedacinho de pão.
Agora faz 37ºC e a cidade fervilha. Tem noite
animada de 2ª a 2ª, chupitos a 1 euro. Já me embebedei uma vez, acho que tomei oito, e acordei sozinha numa cama numa varanda e quando saí na rua, sol ofuscante, sem óculos escuros e meia calça desfiada, lembrei do marroquino sedutor e lindo dizendo na noite anterior que eu estava “hecho un bombón” e sorri envaidecida. Não tinha a menor ideia de onde estava e tomei um táxi pra casa.
Vomitei o dia inteiro e me veio outra lembrança da noite anterior: um ucraniano cantando Tom Zé pra mim na
sarjeta, meu cabelo amarrado que alguém amarrou pra não sujar de vômito. Que noite! Logo eu melhoro.
Dia seguinte, Malagueta. Todo mundo de
toalha, eu estirada na canga com meu biquininho brasileiro, calcinha e sutiã,
as europeias sem top, topless. Não consigo, tô aqui, não conheço ninguém, mas
não tiro meu sutiã! Passo o protetor solar fator 30. Os alemães de
férias torrando ao sol ficam assustadíssimos. Eu, a morena brasileira, me
untando, precisa? Precisa, de onde eu venho tem sol todo dia, se não me cuido,
arrisca ter câncer de pele, “toca madera”, 1, 2, 3! E eles não entendem muito
bem o que eu digo porque estão na turma do espanhol básico. Aprendo a falar
“demasiado”, a italiana guapa da minha sala usa muito essa palavra e eu gosto. Porque
na juventude tudo é demais, “demasiado” intenso, tudo.
Falamos sobre Picasso, Antonio Banderas, e
María Barranco, una chica Almodóvar. Falamos de semana santa, flamenco y
castañuelas, comemos boquerones fritos, é típico e delicioso, e à noite,
bebemos tinto de verano porque ¡hace calor, hace calor! e às vezes dão de
cortesia como chamariz pr´aquele bar. Hoje o professor levou figos na aula, ele
colheu no seu sítio, “en su finca”, así se dice en español, nunca tinha visto
um higo em pessoa, só em caldas, na lata, que nunca gostei, sempre tinha em
casa, meus pais. Mas esse eu comi, era doce, pequeno, suculento, gostosa
novidade. E agora? Que fome estou, tudo fechado, siesta. ¡Joder!, não me
acostumo. Boto umas moedas na máquina e um saco de batatas cai. É o que temos
pra hoje, a dose de sódio diária extrapolada nesse pacotinho, “demasiada
sal”, sim, sal no espanhol é no feminino. ¡Olé, salud! Menos mal que
a Plaza de Toros está desativada. No me gustan las toradas, pero amo essa cidade!
Málaga de mi corazón.
*Este texto é fruto da oficina de escrita criativa, "Terapia da Palavra"
Outro texto dessa época malagueña aqui!
Demasiado gostoso de ler.
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