O céu está radiante e faz calor, embora ainda não sejam nem oito da manhã. Ando pela calçada de casa rumo ao ônibus com tanta vontade de ir para o colégio quanto de me matar.
Estou morta de vergonha! Ontem
quase perdi minha virgindade. Não entendi nada. Estávamos lá na casa dele,
sozinhos, sentados na cama da mãe dele, que estava no trabalho. O irmão tinha
ido andar de skate. Eu estava completamente apaixonada por aquela aberração da
natureza e não me lembro mais como havíamos parado ali. Acho que passei,
interfonei e inventei que precisava de um copo d´água para tomar um
remédio
Um ano antes ele era novato no
colégio e eu começara a usar óculos, que tirava e punha à medida que a
professora colava e descolava o giz do quadro. Sempre fui vaidosa. Sentávamos
no fundão, ele na última carteira, eu na penúltima. Ele ficava balançando na
cadeira, a parede o impedia de cair. Era bem desleixado e tinha mais espinhas
na cara do que estrelas em noite que antecede dia ensolarado. E também mania de
cantar. E eu adorava as músicas que ele cantarolava e perdia o tino ouvindo sua
voz inebriante! Mas quando eu virava para trás sorrindo tomava um susto. Ele
era de uma feiura ímpar.
Um dia comum, a pé pela Raja
Gabaglia, voltando de um trabalho em grupo com ele e outros colegas, tive uma
revelação: eu estava amando aquele Frankenstein.
E vim flanando aérea, arrebatada de paixão, mas assimilei a novidade. Ninguém
poderia saber, ninguém sequer poderia imaginar! Achariam que eu surtei, minhas
amigas me abandonariam por me acharem um ser estranho.
Por isso não consigo me lembrar
de como estávamos ali, os dois sozinhos numa tarde de dia útil, já que se
tratava de uma paixão utópica e ultrassecreta, se é que era possível esconder a
alegria de estar perto dele. Eu era tão novinha, ele me beijou e o momento
sugeriu que ia rolar. Então eu falei olhando no olho dele: sou virgem. Gente! Eu
só queria avisar, mas ele se afastou imediatamente como se eu tivesse uma
doença contagiosa, levantou-se e desapareceu pelo apartamento. Quando dei por
mim, já estava a caminho de casa, chegando do jeitinho que saí, casta que só.
Desde então me aguça o diferente,
o estragado, o inacabado, o mistério. E sorte a minha que nada aconteceu, não
estava na hora. Com que cara vou olhar para ele?
*A frase que começa o
texto, entre aspas, é do livro "Segredos de Menina", de Maitena, e a
foto é capa do livro. Este texto é fruto da oficina de escrita criativa Terapia da Palavra.
Seus textos são tão bons que toda cena passa na minha cabeça como um filme.
ResponderExcluirAmei esse!
SENSACIONAL!! Super ultra amei o texto e o contéudo!! Muito mesmo!!!
ResponderExcluirMuito bom o texto, me divertiu muito. Os sentimentos juvenis são os melhores no texto. O fato de ser secreto porque era feio, kakaka.
ResponderExcluirBacana demais o fruto, Carol. Leve e saboroso.
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