Eu acreditava piamente que teria parto normal. Diziam que eu tinha corpo de parideira, quadril largo (tudo mito!), fiz ioga para gestante por seis meses, atravessava a sala de cócoras, e o menino já estava encaixado uns dois meses antes de nascer, a médica até mandou eu aquietar na época.
Era minha filosofia de vida e certeza inabalável parir de parto normal, seria pedir muito? Pois é, não deu, mesmo o menino tendo nascido 27h após a primeira contração, 15h após a bolsa estourar, e sei lá quantas horas depois de me dobrar centenas de vezes de tanta dor. Estiveram no meu quarto durante todo o processo, meu marido, minha mãe, tia Ju, minha prima Ana Rita e meus sogros. Todos bem-vindos. A médica disse que eu podia expulsar todo mundo, mas eu os queria lá comigo. Minha tia vomitou quando chegou em casa, toda a aflição que ela segurou presenciando minhas dores. E a cada hora vinha a obstetra fazer exame de toque, que doía, medir batimento cardíaco do bebê para garantir que eu ainda podia esperar mais um bocadinho... e cada vez que ela vinha eu confirmava: quero parto normal, vou esperar. E nada de dilatação. Dei entrada na maternidade com a bolsa estourada e um mísero centímetro de dilatação, e até a hora do parto, umas 15h depois, somava apenas mais 2 cm de dilatação. Eu precisava de pelo menos 8! Nesse ritmo, por quantos dias eu teria que esperar? Seria possível?
Minha mãe passou por três cesáreas. Minha irmã que tinha tido filho antes de mim, também via cesárea, havia dito para eu não me iludir, que essas coisas eram genéticas. Mas eu acreditava, ou melhor, eu tinha certeza, imagina!
Quando eu não tinha outra escolha senão a cesárea, eu disse sim com lágrimas nos olhos. E quando me sentaram na cadeira de rodas, é protocolo, rumo à sala de cirurgia, meu único alívio era saber que as contrações iam acabar com a anestesia, mas no caminho ainda tive duas e quando cheguei, a enfermeira perguntou meu nome e teve que esperar a resposta até passar a terceira contração, porque nessas horas não dava para falar. Ai, viveria tudo outra vez! Acho que eu gargalharia em cada contração, como uma bruxa em júbilo! Será?
Mas eu estava com tanto medo, medo da cesárea, do corte, da cirurgia, do meu filho nascer na contramão da ordem natural das coisas, por cirurgia, abruptamente içado do quentinho ao invés de vir sozinho e gritando yupiiii escorregando pelo canal vaginal. E minutos antes de ele vir ao mundo, apertando a mão do meu marido comentei que eu estava com medo, e se não fosse ele dizer: “calma, você está prestes a ver o rostinho do nosso filho”, eu teria perdido a mágica do momento, a voz da natureza: bem-vinda ao mundo encantado da maternidade.
Não importa o parto.
Minha obsessão por parto normal quase me vence por um triz. E eu ouvi aquele chorinho escandaloso de susto, a carinha de horror, mas ele foi direto para o meu colo, e eram tantas lágrimas e tanto sangue, a pediatra o colocou no meu peito, e mal nasceu, já estava mamando colostro da mamãe. O pai cortou o cordão umbilical e enquanto limpavam o recém-nascido às 15h e algo da capital fluminense, em 30/05/16, eu disparava a falar. Uma equipe de mulheres trabalhando, a comadre costurando minha barriga, mandando eu ficar caladinha porque falar dava gases, e ter gases estando costurada não era confortável. Mas eu entrava nas conversas das moças, tagarelando numa descarga de emoção.
Não importa o parto, importa o neném nascer bem.
Depois me largaram num cômodo da maternidade para descansar debaixo de um cobertor, mas não preguei o olho, agora eu era outra. Enquanto isso o bebê chegava limpo e vestido ao berçário e era exibido pela vitrine a quem quisesse conhecê-lo. Quando por fim apareceu alguém para arrastar minha maca até meus aposentos e, chegando lá, meu quarto parecia o Maracanã, eu disparei a chorar, não sei se de cansaço, estava acordada há umas 30h, ou de frio, efeito da anestesia, ou porque era inverno ou porque o ar condicionado da Perinatal era bem potente.
E quando as visitas foram imediatamente embora após minha cálida receptividade, e o bebê chegou enrolado no cueiro, o pai tirou seus bracinhos lá de dentro para ver as mãozinhas. Eu só fui lembrar de reparar os pezinhos mais perfeitos no dia seguinte. Já era noite e o noticiário da TV mostrava o pai de um estudante assassinado, vítima de assalto no estacionamento do Fundão. E há 48h acordada eu não dormi, passei a noite com os olhos arregalados como pratos por conta da notícia. Nascia ali o instinto materno da proteção.
(Créditos da imagem: do livro Meu Pequenino - Germano Zullo e Albertine)